sexta-feira, 21 de maio de 2010

Museu resgata história do semiárido



Por José Romero Araújo Cardoso

Resgatar a história do semi-árido nordestino através de coleções de peças e equipamentos que expressaram a produção econômica e a vida social em épocas pretéritas é o mesmo que buscar a nostalgia dos caminhos das boiadas, as veredas dos velhos tangerinos de outrora e o romantismo bucólico de um sertão gradativamente pulverizado pelos ecos da modernidade que nos faz em esquecer as raízes de nossa identidade.

A fazenda Rancho Verde começou a ser estruturada no início da década de 90 do século passado, quando o Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes adquiriu terra na estrada da Alagoinha, município de Mossoró-RN. Além de razões particulares, constava entre os objetivos do grande sábio do semi-árido adequar sua propriedade à pesquisa de melhoria genética de animais domésticos nativos e exóticos que pudesse auxiliar o homem sertanejo na difícil luta pela sobrevivência numa região castigada pelas secas, cujas características edafoclimáticas a singularizam.

Colecionando utensílios diversos e equipamentos que eram utilizados nas principais atividades econômicas do semi-árido, logo o acervo que o prof. Benedito Vasconcelos Mendes acumulou na Rancho Verde não deixou margem a nenhuma dúvida quanto à necessidade de se criar infra-estrutura necessária para que um museu fosse implementado urgentemente.

A inauguração foi concomitante ao lançamento do livro "Reflexões sobre o Nordeste", de autoria do Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes, quadrimilésimo título da Coleção Mossoroense da Fundação Vingt-un Rosado.

Centenárias relíquias estavam espalhadas por todos os cantos, testemunhando como vivia e conseguia o sustento o homem nordestino em tempos imemoriais, as quais de fato são marcas indeléveis da produção da vida material de um povo forte.

O museu do sertão da fazenda Rancho Verde está divido em oito setores que compreendem a casa de cera, a casa de farinha, o engenho de rapadura, o alambique de cachaça, a queijaria, a cocheira, a bodega e os utensílios domésticos.

No primeiro setor pode-se deslumbrar o local onde os sertanejos preparavam a cera extraída das folhas da carnaubeira. O destaque é para uma mais que secular prensa de vara “seu” Damásio, adquirida na região do Jaguaribe (Estado do Ceará). A cera de carnaúba teve destacada importância econômica nos vales secos dos Estados do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte em boa parte dos séculos XIX e XX.

O segundo setor se tratava de uma oficina encontrada praticamente em todo o semi-árido nordestino, destinada à fabricação de goma e farinha de mandioca. Armazenar farinha, rapadura e queijo era condição imprescindível para sobreviver às secas, principalmente entre as famílias abastadas. O tamanho dos caixotes de armazenamento demonstrava o grau de opulência dos proprietários sertanejos. Momentos distintos da evolução da produção desses gêneros estão bem representados no museu da fazenda Rancho Verde, quando a tração humana foi substituída pela animal e depois pela força mecânica.

O terceiro setor teve maior quantidade de estabelecimentos nas serras úmidas e nas várzeas dos rios intermitentes do Nordeste seco. Os engenhos produziam artesanalmente alfenins, batidas e rapaduras. As moendas eram de madeira e depois foram substituídas pelas de ferro.No quarto setor encontramos a fábrica rústica de aguardente, também encontrada em profusão no mesmo espaço dominado pelos engenhos de rapadura. Há identificação em diversos processos, à exceção da fermentação do caldo visando obter o produto final.

O quinto setor é onde se preparava o queijo, sendo o de coalho o mais difundido no nordeste. Neste processo o abomaso bovino tinha papel fundamental, substituído hoje por fermento industrial.No sexto setor encontramos a cocheira, onde charretes, carros-de-boi, carroças, apetrechos de montaria, etc., eram guardados depois da labuta diária. Nesta parte há destaque para o gibão como principal apetrecho da montaria do vaqueiro. Em razão de a caatinga ser muito espinhenta, o uso desse acessório diferencia o homem que lida com o gado no semi-árido nordestino do que faz o mesmo trabalho em outras regiões brasileiras.

O sétimo setor corresponde à bodega, difundida em todas as cidades da região. Trata-se de um pequeno armazém de secos e molhados onde se vende de tudo um pouco, incluindo remédios alopáticos e os da farmacopéia caseira sempre requisitada por todas as classes sociais.

O último setor abrange os utensílios domésticos que enriqueceram a cultura popular e que se transformaram em verdadeiras obras de arte que resistem ao tempo. São peças que reforçam a afirmação de Capistrano de Abreu que fizemos a civilização do couro. Encontramos ainda panelas de barro, lamparinas de folhas de Flandres, gamelas, objetos feitos com frutos de árvores nativas, etc.

O fascínio do prof. Benedito Vasconcelos Mendes com as coisas do semi-árido nos concedeu um espaço privilegiado onde o respeito à nossa cultura é observado em todos os detalhes, preservando-se nosso passado recente com o intuito de que gerações presentes e futuras saibam como as pessoas de outrora viviam e produziam suas riquezas.


(*) Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. E-mails: romeroc6@hotmail.com (Msn). romero.cardoso@gmail.com.


FONTE: http://www.portalcaldeiraopolitico.net/colunistas.php?mostrar=noticiacompleta&id=d1e434188d

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