sexta-feira, 21 de maio de 2010

Jordão e seus habitantes

Por José Romero Araújo Cardoso


As notas que se seguem, foram escritas por D. Dalila (Raimunda Dalila de Alencar Gurgel), descendente, como veremos, da família “Sinésio Benevides”, fundadores daquele futuroso núcleo rural do município de Caraúbas (Estado do Rio Grande do Norte)”. (Raimundo Soares de Brito).

Raimunda Dalila de Alencar Gurgel

Jordão é uma fazenda situada no município de Caraúbas, pertencente à família Benevides, família pobre, porém independente.

Compunha-se de 15 casas, inclusive a Capela da Imaculada Conceição, e a E. F. M. S. (Estrada de Ferro Mossoró-Sousa), pela qual ela era cortada. Seu início foi no ano de 1870.

Residiam naquele tempo, na Fazenda “Santa Maria”, o casal Galdino Sinésio Benevides Montezuma e sua esposa D. Benta Carneiro, com os filhos, entre os quais, Sátiro Sinésio Benevides, sendo do primeiro matrimônio, que foi com D. Maria Mafalda de Amorim.

Sátiro entre a sua herança materna, contava com seus 8 escravos, aos quais ele empregava grande amizade.

Numa tarde, ao regressar de uma viagem, encontrou um dos seus escravos amarrado ao tronco de uma árvore solitária que se erguia no pátio, para ser castigado, por ordem de sua madrasta, o que ele não consentiu, desatando-lhe as cordas.

Após uma pequena discussão com ela, pediu ao pai, que queria um terreno, onde pudesse construir uma casa para residir com seus escravos, e logo foi atendido.

Tinha então 17 anos de idade.

No dia seguinte, saiu com o “Major” Galdino para um pequeno alto montanhoso, denominado “Tanquinhos”, por haver ali um tanque de pedra feito pela natureza.

Aí marcaram a casa, a qual na mesma semana deram início.

Como havia pressa, fizeram logo uma parte de taipa, e dentro de poucos dias ele fixou residência com os seus escravos. Entre eles, veio Claudina, que ainda cheguei a conhecê-la, pois faleceu com 103 anos de idade, em Olho D’Água.

Sátiro mudou o nome de sua nova morada para Jordão.

Lá, vivia feliz, com aquelas pessoas incultas, sem instrução, mas que adoravam o seu amo.

Para eles, o sofrimento desaparecera, e o trabalho livre, tinha tomado o lugar, em grande parte do trabalho escravo.

Pela manhã, achavam-se no curral, pretos de cócoras, em camisa de algodão, cuias nas mãos geladas pelo frio, a ordenharem as grossas tetas das pacientes e mugidoras vacas, que ainda ruminavam restos de capim, numa mansidão ingênua de animal digno.

As negrinhas dividiam entre elas os trabalhos domésticos; enquanto uma preparava o almoço, outra chamava as galinhas com um ruído seco de lábios trêmulos, sacudindo-lhes mãos cheias de milho.

Passaram-se assim 17 anos.

Sátiro, com 34 anos de idade, pois nasceu a 12 de janeiro de 1848, era de altura mediana, vigoroso, com músculo de aço. Camponês de boa natureza, rosto moreno, pequenos olhos negros sobre as sobrancelhas fechadas e cabelos ondulados.

Com 15 anos de idade exerceu a profissão de sacristão na Matriz de Caraúbas.

Em 12 de setembro de 1882 casou-se com Josefa de Souza Benevides, nascida a 19 de março de 1864, filha de Antônio Rodrigues de Souza e Eufrosina Maria da Conceição, esta nascida a 12 de junho de 1836 e falecida em 1933.

Fixaram residência naquele mesmo casarão, no meio de um terreno árido e melancólico.
Durante os dias, o sol castigava a terra nua, num grande círculo, ao redor daquelas quatro paredes silenciosas; à noite, coaxavam os sapos na solidão, como a única orquestra, para a satisfação do gosto musical daquele jovem casal.

No dia 28 de abril de 1883, nasceu o primogênito Raimundo Vital Benevides. Como praxe naquele tempo, banharam-no numa cuia, com algumas jóias de ouro n’água, para ficar afortunado.

Foi batizado no dia 19 de maio, em casa, quando foi celebrada a primeira missa, com o comparecimento de amigos e o povo da vizinhança. Faleceu com 79 anos de idade, em 28 de agosto de 1962.

Nasceram mais 12 filhos, que foram os seguintes:

F2 – Agostinho Sinésio Benevides. Nasceu no dia 4 de maio de 1884 e foi assassinado aos 20 anos de idade, por uma pessoa da família Tavares, em Patú.

F3 – José Maria Benevides. Nascido a 27 de agosto de 1885. Passou 15 anos no Amazonas convivendo até com índios, quando o feriram com uma flechada.

Casou-se com Maria de Paiva, filha do Sr. Vicente de Paiva e Dona Marica de Paiva. Não houve filhos. O casal chegou a se separar.

Josué Sinésio Benevides. Veio ao mundo no dia 16 de fevereiro de 1887. Casou-se com Dila Paiva, também filha do Sr. Vicente de Paiva e de Dona Marica. Faleceu em 1º de abril de 1949, deixando a viúva e os seguintes filhos:

N1 – Maria Alaíde (casada)

N2 – Geraldo de Paiva Benevides. Casado com Elza Leite, filha do Sr. Etelvino Leite e D. Lica Dantas. Foi funcionário da E. F. M. S. (Estrada de Ferro Mossoró – Sousa). Residiu em Mossoró. Tiveram 5 filhos.

N3 – Sátiro de Paiva Benevides.

F5 – Sebastião Sinésio Benevides. Nasceu em 2 de maio de 1888 e faleceu em 18 de fevereiro de 1955, solteiro. Era conhecido por Titão, muito amigo das crianças.

F6 - Antônio Sinésio Benevides. Nasceu a 13 de junho de 1889; casou-se com Francisca Alves (prima), filha do Sr. Manoel Alves e Aninha de Souza Alves. Fixaram residência na “Várzea do Barro”, onde Francisquinha faleceu a 10 de maio de 1958, e ele a 4 de setembro de 1961. Não houve filhos.

F7 – Maria Francisca Sinésio Benevides. Foi este o nome que na pia batismal recebeu a primeira criança do sexo feminino do casal. Desta vez a cegonha foi recebida com mais pompas por este motivo. Casou-se com Argemiro Liberato de Alencar de Pombal, Estado da Paraíba, no dia 17 de junho de 1918. Era viúvo, com 6 filhos, indo residir em “Estrelo” (Fazenda). No casamento houve uma grande festa e para o baile forraram o salão com estopas.

N4 – Genival. Foi sua primogênita, que faleceu com 3 meses de idade.

N5 – Raimunda Dalila de Alencar. Nasci em 1922. Receberam-me como a segunda filha e me deram o nome de Raimunda Dalila de Alencar. Casei com Porfírio Gurgel, filho de Sebastião Gurgel e Melânia Tercia Gurgel.

Bn1 – Terezinha. Nossa primogênita foi Terezinha, que encheu nosso lar de alegria.

Bn2 – Expedito. Faleceu aos 3 meses de idade.

Bn3 – Antônio. Faleceu com um ano de idade.

Morei na terra natal de meus avós, o Jordão, aonde cheguei com 2 anos, com a mesma família Benevides, a qual, abrindo as páginas do livro das recordações e inclinando-me ante o gesto belíssimo de gratidão, estou oferecendo esta pequena e desconcertada descrição.

Foi no Jordão que após o falecimento do meu querido pai, a 5 de janeiro de 1929, eu passei a minha infância ao lado de minha mãe extremosíssima, e entre os braços carinhosos dos meus queridos tios, que me acolheram, não como uma sobrinha, mas como uma filha, dedicando-me grande afeto. Lembro-me que até para beber água, tinha que ir nos braços dos meus tios.

Continuando no velho casal, tenho a dizer que:

F8 – Daniel Sinésio Benevides. Nasceu a 2 de Janeiro de 1892. Residiu na casa paterna com os irmãos. Era alto, inteligente e de coração caridoso. Em 1929 recebeu um balaço casual, que atravessou o crânio, porém, com poucos dias, ficou completamente restabelecido.

F9 – Samuel Sinésio Benevides. Nasceu a 7 de dezembro de 1894. Casou-se com Filomena Alves. Tiveram 19 filhos.

N6 – Francisco

N7 – Flávio

N8 – Maria

N9 – Antonieta

N10 – Francinete

N11 – José

N12 – Manoel

N13 – Geraldo

N14 – Antônio

N15 – Rosinete

N16 – Maria do Socorro

N17 – Expedito

F10 – Pedro Sinésio Benevides. Nascido a 22 de fevereiro de 1896. Passou parte dos seus anos no Amazonas. Depois se casou no Jordão com Raimunda Gurgelita Gurgel, de Caraúbas. Ficaram morando no Jordão, onde instalou uma mercearia. Houve 3 filhos.

N18 – Maria do Socorro. Casada com Vicente Solano, pertencente à família Solano de Patú residiram no Jordão, com profissão de comerciante. Tiveram 3 filhos:

Bn4 – Expedito

Bn5 – Lourdes de Fátima

Bn6 – Vilma do Socorro

(*) Depois dessas notas escritas, o casal teve os filhos Vânia, Vanda e Lenilma)

 F11 – João Sinésio Benevides. Foi mais um rebento, que veio ao mundo a 18 de junho de 1897. Casou-se com Carmélia Maria dos Anjos, filha do Sr. João Solano e Obdulia Solano, de Patú. Residiram no Jordão. Tiveram 5 filhos.

N19 – José. Que fez o 3º ano ginasial.

N20 – Lucinha. Que fez o primeiro, dedicando-se à costura, bordado, etc.

N21 – Lucila

N22 - Paulo

N23 - Tarcisio. Freqüentou a Escola Isolada, no Jordão.

F12 – Manuel Sinésio Benevides. No dia 16 de setembro de 1899, tiveram a felicidade de ver nos braços mais este filho, a quem seu pai confiou aquela numerosa família, quando no leito de dor esperava o último suspiro. Cumprindo então a promessa que fizera, morou na mesma casa, com os irmãos, para quem trabalhou, tratando-os carinhosamente.

F13 – Éster Estelita Benevides. Por fim, a cegonha querendo se despedir daquele casal que tantas vezes recebera-a com os presentes enviados por Deus, trouxe outra criança do sexo feminino, no dia 1º de junho de 1901, a quem deram o nome de Éster Estelita Benevides. Como caçula, vivia nos braços dos pais e irmãos, como uma boneca faladeira e muito esperta. Casou-se com Joaquim Godeiro Sobrinho, da família Godeiro de Patú, filho adotivo e cunhado de Rafael Godeiro da Silva. Não houve família. Ele era comerciante em Patú, quando em 1926 construiu uma casa no Jordão, para onde veio trabalhar na agricultura. No ano seguinte faleceu.

Estes doze filhos formavam uma só rosa, cujas pétalas eram presas pelo cálice da união, aprendendo dos pais a linguagem do dever, na tradução do coração.

Sátiro trabalhava infatigavelmente em companhia de seus filhos e alguns operários; passava o dia sob o calor do sol causticante e à noite a meninada ia para a escola, que sua mãe mesmo ensinava em casa.

Ele abriu um cacimbão com 74 palmos de profundidade, sendo toda a terra e pedra retirada em caixões sobre a cabeça e arrastada em couros de gado.

Depois fez um açude em 1892, pagando a diária de um operário por uma pataca, porém esse açude arrombou no ano seguinte ao de sua construção.

Só em 1926 foi que o fizeram pela segunda vez, com diária de 1.200 réis.

Naquele tempo, ou seja, quando o açude foi feito pela primeira vez, ele apanhou 150 arrobas de algodão, que foram vendidas ao Sr. Antônio Carlos, de Caraúbas, a 1.500 réis a arroba.

Desde o ano que se casaram, este casal prestava em seu lar um culto sublime a Maria Imaculada durante o mês Mariano (o risonho e perfumado mês de maio), culto este que foi por longos anos prestado na capelinha, onde depositávamos as preces ardentes, na concha dourada do coração de Maria. Quem rezou as meditações a partir de 1925 foi mamãe. Seu coração não se cansava, seu espírito não se entibiava, nem os lábios recusavam palavras de louvor para glorificar o nome Sacrossanto de Maria.

ando eram tirados pelo velho casal, eles reuniam os filhos ante um altar improvisado, na sala, lindamente ornado de flores campestres. Ali iniciavam a meditação com o Vinde Espírito Santo, entoado pela meninada, seguindo as orações rezadas por Sátiro, e nos intervalos de cada, um cântico à Virgem Santíssima.

Terminada a recitação da prece, como também o “beija”, as crianças iam brincar no terreiro, enquanto a lua surgia lenta e discreta, coroando o céu com o seu diadema de prata, infiltrando por entre a ramagem os suaves ráis de sua meiga claridade...

E assim passaram-se anos...

Quando, de 1925 em diante, eu já estava aqui com mamãe, era uma garota despreocupada, crente demais na vida, e se muitas coisas passaram, não passou, entretanto, a lembrança enternecedora que guardo comigo nas novenas na Casa Grande.

Levada pelas reminiscências de uma época tão auspiciosa, tão cheia de alegrias para meu encantamento de criança, me associei ao conjunto coral, para também prestar homenagens à Rainha do Céu.

Com aquela voz infantil, porém estridente, procurava ultrapassar as outras, pois temia que Nossa Senhora não ouvisse o meu canto.

Nas últimas noites, vinha sempre uma moça de Patú, para auxiliar. Era num ano Raimunda Godeiro, noutro Maria dos Anjos, etc.
Que alegria para a pequena população do Jordão, durante aquele mês. Brotavam sorrisos em todos os lábios e alegria em todas as almas.

Eram assim as novenas na Casa Grande.

Em 1937 foi construída uma capelinha, cujo pedreiro foi o Sr. Sebastião Maia e Zé Pequeno o auxiliar.

Esta capela foi em cumprimento de uma promessa feita por mamãezinha, pois assim eu chamava minha avó, quando seus 5 filhos se encontravam no Amazonas, que foram: Josué, Pedro, Sebastião, Toinho e Zé Maria; e todos voltaram em paz.

A imagem da Imaculada Conceição foi trazida do Rio de Janeiro para a capela do Jordão por D. Brígida Sabóia.

Depois foi entronizada a imagem de Santo Expedito, oferecida por Severino Alves, cuja benção foi a 11 de setembro de 1951, e por último a imagem de São José, doação de Raimunda Edite Gurgel, sendo a benção a 24 de maio de 1954 pelo Padre José do Vale.

Em 1964 foi comprado o harmônio por 4.014$000.

A primeira festa foi no dia 23 de setembro de 1943, havendo duas barracas denominadas “Paz” e “Amizade”. Esta última foi a vencedora.

Nos dias 20, 21 e 22 de julho de 1950, houve as Santas Missões, pregadas por Frei Damião, Frei Fernando e Pe. Leão e pelo Exmº Sr. Bispo Diocesano D. João Batista Portocarreiro Costa.

Quando havia leilão, o leiloeiro era o incansável e esforçado Miguel Soares. Com o seu pulmão de aço gritava: “dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...”, com suas piadas engraçadas, entre as gargalhadas do pessoal.

Entre as construções desta fazenda, contavam-se as seguintes:

Além da Casa Grande, que em 1914 fizeram uma cozinha e em 1918 a sala grande com o alpendre, tem mais:

A casa construída por Quincas Godeiro em 1926 e que foi minha. A de Raimundo Benevides, de 1929, que foi de Vicente Solano.

Neste mesmo ano mamãe comprou e montou um engenho ao Sr. Manoel de Brito por mil cruzeiros; fazia por ano muitas cargas de rapaduras, puxávamos alfenins, era uma farra danada.

Em 1930 começou o roço da Estrada de Ferro Mossoró – Sousa pelo engenheiro Manoel Marques, terminada em 1936, quando foram inauguradas a Estação e Casa de Agente, no dia 30 de setembro.


Josué Benevides construiu uma casa em 1934.

Pedro Benevides também construiu a dele em 1939.

João Benevides fez a sua em 1941, onde também residiu Pedro Benevides.

Raimunda Medeiros construiu uma na estação em 1944 e vendeu a João Benevides em 1947, por Cr$ 6.000,00.

Em 1951 foi construída a Escola Rural. A Escola já funcionava desde 1939, em casa particular, paga pela Prefeitura Municipal de Caraúbas, a quantia de Cr$ 50,00 mensais. Foi fundada pelo Sr. Josué de Oliveira quando naquele ano exercia o cargo de Prefeito em Caraúbas.

Em 1945, graças ao interesse e gentileza do mesmo Josué, passou para o Estado, e finalmente quando o Sr. Leovegildo Fernandes Pimenta exercia o cargo de Prefeito, em 1951, arranjou uma quota federal para fazer o prédio, e mais 4 no município.

A primeira verba foi despachada em março de 1950.

O lugar foi marcado no dia 9 de abril de 1950, domingo, às 9 horas, pelas seguintes pessoas: O Sr. Prefeito, Porfírio Gurgel, Severino Alves, Manuel Benevides, Raimundo Petronilo e o pedreiro.

O roço foi iniciado no dia 29 de abril, por Pedro Celestino, Orídio Ferreira, Antônio Ferreira e José Firmino com dois filhos.

No dia 22 de agosto vieram tirar a planta: Leovegildo, Antônio Miranda, Francisquinho Maia e Porfírio Gurgel.

No dia 30 do mesmo, chegaram 18 carnaúbas no caminhão de Valmir, botando ainda neste dia 14 carradas de pedras. Os trabalhadores foram Francisco Benevides, Orídio Oliveira, Antônio Pedro e Etevaldo Silva, a Cr$ 15,00 a diária.

O pedreiro foi Sebastião Maia, sendo iniciado no dia 24 de outubro, com uma turma de 8 homens, trabalhando até o dia 18 de novembro, quando fizeram uma pausa e recomeçaram a 5 de dezembro. Trabalharam os caminhões de Odécio e Walter Dantas. Os trabalhadores da construção foram Sebastião Maia, Antônio Maia, José Maia, Rivaldo Maia, Estevão Maia, Poli Maia, Pedro Maia, João Ferreira, Osório Almino, Chico Maia e outros.

Terminaram em maio de 1951.

Vim ensinar na Escola do Jordão no dia 2 de julho. Os móveis chegaram em setembro do mesmo ano, compondo-se de 1 birô, 2 cadeiras e 18 carteiras.

Com mais algumas casinhas de taipa, é assim o Jordão.

Voltamos aos anos anteriores.

Moravam naquela casa os 10 irmãos, as duas irmãs viúvas, a dona da casa (viúva Didinha), minha bisavó, Raimundo, que morava lá desde os 6 anos de idade, e eu, com quase 16 anos.

Era uma casa cheia de alegria.

As tardes dos domingos sentávamos no alpendre, observando o perfil caprichoso das árvores e os morros longínquos que se transformavam maravilhosamente num grande tapete azulado, ficando longe, muito longe do céu límpido, como que fugindo do tom avermelhado que o sol queria dar.

Então, eu com um violãozinho começava a cantar modinhas e valsas que sempre foram as minhas músicas prediletas.

Nas noites enluaradas, ia com madrinha Tesinha e alguns amigas para o patamar da capelinha, onde cantávamos até 9 horas, acompanhadas pelo meu bate-bate no violão.

Tudo, tudo, passou...

Hoje, fecho os olhos e com saudades contemplo estes quadros na imaginação, muito embora suavizada com a presença de muitos da família, porque aqui neste mesmo torrão eu morei com meu esposo, mãe e filha.

Não deixo também de recordar a minha querida vózinha, que faleceu a 24 de agosto de 1956.

Esta, que foi o favo de mel dulcíssimo de muitos dos meus dias de infância, cuja fronte aureolada de fios de prata recebia os afagos das mãos das netinhas, enquanto contava histórias de trancoso ou da Bíblia Sagrada.

Guardo dela para sempre a mais nítida e consoladora das lembranças, reunindo num feixe perfumado, a saudade e a gratidão.

Seja Jordão constante celeiro, onde armazene Deus, sempre melhore, e mais, puras colheitas.

Que ele, com seus habitantes vivam sob o manto protetor da Virgem Imaculada, para que futuramente possamos rezar sempre juntas as contas brancas da saudade, no terço imenso da recordação...

Vrgem Mãe...

Que nos vê lá de sua capelinha, Tu que és a cruz transformada num vulto de Mulher, toma em Tuas Mãos este pedaço de terra que se chama Jordão, e o abençoa.

Fazei dele uma conta dourada do Teu terço.

Abençoa estes lares, que Te saúdam diariamente pelo “Terço em Família”.

Abençoa, enfim, este povo pobre, humilde e que te ama tanto.


Jordão, 20 de julho de 1959.


a-) Raimunda Dalila de Alencar Gurgel, para sua filha Terezinha Gurgel de Alencar


2 – NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE RAIMUNDA DALILA DE ALENCAR GURGEL


Raimundo Soares de Brito

José Romero Araújo Cardoso

Raimunda Dalila de Alencar Gurgel nasceu no dia 8 de abril de 1922 no município de Pombal, Estado da Paraíba. Era filha de Argemiro Liberato de Alencar e Dona Maria Mafalda de Alencar.

Professora aposentada, sua posse se deu a 1º de fevereiro de 1939 (1), lecionando por longos anos na cidade de Caraúbas. Muito inteligente, escreveu sobre acontecimentos de sua comunidade. Exímia pintora retratou com invulgar perfeição a fazenda Jordão tanto nas artes plásticas como em prosa. Nas artes plásticas deixou verdadeira obra em desenho e pintura.

Era casada com o Sr. Porfírio Gurgel Fernandes, de cujo consórcio sobreviveu apenas uma filha de nome Terezinha, casada com Wanderlan Medeiros de Almeida, natural do município paraibano de Pombal, agente aposentado da Estação Ferroviária da cidade de Caraúbas, Estado do Rio Grande do Norte.

Faleceu em Caraúbas no dia 12 de setembro de 1982 (2), contando a idade de 60 anos. Seu sepultamento contou com grande acompanhamento dos caraubenses.


(1) RIO GRANDE DO NORTE. DEPARTAMENTO DAS MUNICIPALIDADES. Ficha do Funcionário Municipal. Prefeitura Municipal de Caraúbas, 1º de fevereiro de 1939.

(2) CARTÓRIO DO REGISTRO CIVIL. Caraúbas – RN. Livro C-20, fls. 165, termo 871.













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A grande seca de 1877-1879

Por José Romero Araújo Cardoso

Cento e trinta e três anos atrás, efetivava-se gênese de implacável prova de fogo enfrentada pelo povo do semi-árido nordestino, de cujos rigores atingiram zonas úmidas e pouco afetada pela ação inexorável do inconstante vento alíseo de nordeste, responsável majoritário pelos fenômenos cíclicos de estiagem que vez por outra castigam violentamente grande parte do interior nordestino.

Coincidentemente, quando da seca de 1877-1879, foi registrado impressionante aquecimento das águas do pacífico sul-americano, devido incríveis erupções vulcânicas submarinas no círculo do fogo que circunda o continente americano. A relação El Niño - secas no nordeste brasileiro só foi enfatizada recentemente.

Aflição inenarrável tomou de conta da desvalida população nordestina, bem como da região norte de Minas Gerais, onde a espacialização no vale do Jequitinhonha se efetivou condicionada pelos rigores das secas, impactando também, de forma implacável, o modus vivendi do povo imortalizado pela literatura de João Guimarães Rosa.

Inúmeras dificuldades impediram a consolidação de auxílios pelo governo imperial, clamados de forma angustiante pelo povo que sofria com as calamidades indescritíveis. Proliferaram os casos de antropofagia, pois até o couro que singulariza a cultura nordestina, no que tange à produção material, de uso diário, foi consumido pela população faminta.

A biodiversidade, adaptada aos rigores do clima e dotada naturalmente de experiência para a continuidade da vida, também sofreu implacavelmente com as conseqüências tétricas da grande seca de marcas indeléveis no século XIX. A falta d’água fez com que animais perecessem de sede, enquanto a caatinga cinzenta, não obstante o ensejo da catástrofe natural, mostrou-se resistente, revitalizando-se plenamente quando do grande inverno de 1880.

Rodolfo Teófilo afirmou que no Ceará mais de trezentas mil pessoas morreram de fome e sede ou emigraram para a Amazônia e Centro-Sul brasileiros. A descendência de significativo percentual da população do Estado do Acre confirma tendência nordestina, principalmente cearense, em buscar sobreviver, quando das secas, emigrando para a região norte, fenômeno demográfico que a partir da década de cinqüenta do século XX voltou-se majoritariamente para a região Sudeste, quando da ênfase à industrialização tardia e dependente.

O imaginário de fração do povo nordestino, referindo-se aos efeitos e transtornos provocados pela grande seca de 1877-1879, não obstante a férrea batalha de aculturação movida pela globalização, ainda se revela marcado por histórias dantescas transmitidas de geração a geração, embora provas documentais referendem a dramaticidade dos fatos, a exemplo do caso de antropofagia que convulsionou a pequena localidade de Pombal, estado da Paraíba, quando do rapto, assassinato e esquartejamento de criança, responsabilidade de inditosa retirante de nome Donária dos Anjos, de cujo argumento para a prática do ato bárbaro, quando da inquirição promovida pela justiça, alegou fome insuportável como motivo do hediondo crime.

Impossível evitar as secas, mas implementar soluções para a convivência do homem com a natureza indômita do semi-árido deve nortear o ideário dos poderes públicos e privados, sem esquecer da necessidade pragmática de também priorizar a educação ambiental, principalmente devido ao atual estágio do processo de desertificação, disponibilizando dessa forma melhores condições de vida ao povo da civilização das secas, minimizando assim dramas que são exemplificados através das inúmeras provações, quando da grande seca de 1877-1879, enfrentadas pelo gênero humano que desafia as causticantes intempéries da porção semi-árida brasileira.


FONTE: http://www.noticiasdesousa.com/2010/05/grande-seca-de-1877-1879.html

Museu resgata história do semiárido



Por José Romero Araújo Cardoso

Resgatar a história do semi-árido nordestino através de coleções de peças e equipamentos que expressaram a produção econômica e a vida social em épocas pretéritas é o mesmo que buscar a nostalgia dos caminhos das boiadas, as veredas dos velhos tangerinos de outrora e o romantismo bucólico de um sertão gradativamente pulverizado pelos ecos da modernidade que nos faz em esquecer as raízes de nossa identidade.

A fazenda Rancho Verde começou a ser estruturada no início da década de 90 do século passado, quando o Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes adquiriu terra na estrada da Alagoinha, município de Mossoró-RN. Além de razões particulares, constava entre os objetivos do grande sábio do semi-árido adequar sua propriedade à pesquisa de melhoria genética de animais domésticos nativos e exóticos que pudesse auxiliar o homem sertanejo na difícil luta pela sobrevivência numa região castigada pelas secas, cujas características edafoclimáticas a singularizam.

Colecionando utensílios diversos e equipamentos que eram utilizados nas principais atividades econômicas do semi-árido, logo o acervo que o prof. Benedito Vasconcelos Mendes acumulou na Rancho Verde não deixou margem a nenhuma dúvida quanto à necessidade de se criar infra-estrutura necessária para que um museu fosse implementado urgentemente.

A inauguração foi concomitante ao lançamento do livro "Reflexões sobre o Nordeste", de autoria do Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes, quadrimilésimo título da Coleção Mossoroense da Fundação Vingt-un Rosado.

Centenárias relíquias estavam espalhadas por todos os cantos, testemunhando como vivia e conseguia o sustento o homem nordestino em tempos imemoriais, as quais de fato são marcas indeléveis da produção da vida material de um povo forte.

O museu do sertão da fazenda Rancho Verde está divido em oito setores que compreendem a casa de cera, a casa de farinha, o engenho de rapadura, o alambique de cachaça, a queijaria, a cocheira, a bodega e os utensílios domésticos.

No primeiro setor pode-se deslumbrar o local onde os sertanejos preparavam a cera extraída das folhas da carnaubeira. O destaque é para uma mais que secular prensa de vara “seu” Damásio, adquirida na região do Jaguaribe (Estado do Ceará). A cera de carnaúba teve destacada importância econômica nos vales secos dos Estados do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte em boa parte dos séculos XIX e XX.

O segundo setor se tratava de uma oficina encontrada praticamente em todo o semi-árido nordestino, destinada à fabricação de goma e farinha de mandioca. Armazenar farinha, rapadura e queijo era condição imprescindível para sobreviver às secas, principalmente entre as famílias abastadas. O tamanho dos caixotes de armazenamento demonstrava o grau de opulência dos proprietários sertanejos. Momentos distintos da evolução da produção desses gêneros estão bem representados no museu da fazenda Rancho Verde, quando a tração humana foi substituída pela animal e depois pela força mecânica.

O terceiro setor teve maior quantidade de estabelecimentos nas serras úmidas e nas várzeas dos rios intermitentes do Nordeste seco. Os engenhos produziam artesanalmente alfenins, batidas e rapaduras. As moendas eram de madeira e depois foram substituídas pelas de ferro.No quarto setor encontramos a fábrica rústica de aguardente, também encontrada em profusão no mesmo espaço dominado pelos engenhos de rapadura. Há identificação em diversos processos, à exceção da fermentação do caldo visando obter o produto final.

O quinto setor é onde se preparava o queijo, sendo o de coalho o mais difundido no nordeste. Neste processo o abomaso bovino tinha papel fundamental, substituído hoje por fermento industrial.No sexto setor encontramos a cocheira, onde charretes, carros-de-boi, carroças, apetrechos de montaria, etc., eram guardados depois da labuta diária. Nesta parte há destaque para o gibão como principal apetrecho da montaria do vaqueiro. Em razão de a caatinga ser muito espinhenta, o uso desse acessório diferencia o homem que lida com o gado no semi-árido nordestino do que faz o mesmo trabalho em outras regiões brasileiras.

O sétimo setor corresponde à bodega, difundida em todas as cidades da região. Trata-se de um pequeno armazém de secos e molhados onde se vende de tudo um pouco, incluindo remédios alopáticos e os da farmacopéia caseira sempre requisitada por todas as classes sociais.

O último setor abrange os utensílios domésticos que enriqueceram a cultura popular e que se transformaram em verdadeiras obras de arte que resistem ao tempo. São peças que reforçam a afirmação de Capistrano de Abreu que fizemos a civilização do couro. Encontramos ainda panelas de barro, lamparinas de folhas de Flandres, gamelas, objetos feitos com frutos de árvores nativas, etc.

O fascínio do prof. Benedito Vasconcelos Mendes com as coisas do semi-árido nos concedeu um espaço privilegiado onde o respeito à nossa cultura é observado em todos os detalhes, preservando-se nosso passado recente com o intuito de que gerações presentes e futuras saibam como as pessoas de outrora viviam e produziam suas riquezas.


(*) Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. E-mails: romeroc6@hotmail.com (Msn). romero.cardoso@gmail.com.


FONTE: http://www.portalcaldeiraopolitico.net/colunistas.php?mostrar=noticiacompleta&id=d1e434188d

segunda-feira, 17 de maio de 2010

UFERSA abre exposição sobre semiárido


A partir de hoje (17), até domingo (23), a Universidade Federal Rural do Semi-Árido estará com a exposição “Viver e Compreender o Semiárido”, no Centro de Convenções do prédio central, no campus leste. A iniciativa faz parte das comemorações da Semana Nacional de Museus, numa parceria com a Universidade Federal de Campina Grande e o Museu Interativo do Semiárido. A exposição é a toda comunidade de Mossoró, sendo uma excelente oportunidade para os estudantes conhecerem as peculiaridades da região do semiárido nordestino.

São belos painéis explicativos, peças em barro, madeira, roupas de couro, cancioneiro popular, utensílios domésticos e de trabalho do homem do campo que mexem com o imaginário social, remetendo aos ambientes bucólicos da caatinga. A tônica de “Viver e Compreender” permite uma viagem onde os visitantes vislumbram a beleza do ambiente Semi-Árido como uma área onde, apesar de circunstâncias difíceis, o homem aprendeu a conviver harmoniosamente com a natureza e seus aspectos particulares.


“A ideia é mostrar a toda comunidade acadêmica da UFERSA e também aos demais estudantes de Mossoró, o acervo do Museu Interativo do Semiárido de Campina Grande”, explica Helda Suene, assessora de eventos da UFCG. As escolas e outros segmentos de Mossoró, como grupos de jovens, de idosos, de escoteiros, etc. são convidados a prestigiar a exposição.