quarta-feira, 31 de março de 2010

INSA e BNB assinam convênio para execução de Seminário sobre Educação Contextualizada

Por Aline Guedes


O diretor do Instituto Nacional do Semiárido (INSA/MCT), Roberto Germano Costa, e o superintendente estadual do Banco do Nordeste (BNB) na Paraíba, Francisco Carlos Cavalcanti, assinaram nesta semana um convênio no valor de R$ 53 mil, para a execução do Seminário Nacional sobre Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, a ser realizado no período de 31 de maio a 02 de junho, em Campina Grande (PB).

Destinado a profissionais de educação, pesquisadores, gestores de programas e políticas públicas e estudantes, um dos objetivos do Seminário é contribuir para o aperfeiçoamento e implementação de políticas públicas que contemplem os princípios e preceitos da Educação Contextualizada, na perspectiva da convivência com o Semiárido.

Roberto Germano comemora a celebração do convênio, afirmando que um dos maiores desafios historicamente enfrentados para inserção do currículo escolar na realidade local está relacionado à formação dos professores da Educação Básica.

“O sistema escolar encontra-se, em sua grande maioria, alheio às relações que vêm sendo coletivamente construídas nos espaços da sociedade civil organizada ou em parcerias com o poder público governamental. A escola, isolada desse contexto, com seus currículos e materiais didáticos descontextualizados, deixa de trabalhar a partir da cultura local e dos valores nela construídos” – assinala.

Já o coordenador adjunto do Seminário, Silvio Rossi (UFPB/INSA), afirma que a assinatura do convênio, aliada ao empenho de outros parceiros, como a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), é primordial para o alcance dos objetivos do evento.

“Com isso, nós estamos buscando contribuir com o processo de produção e utilização de livros didáticos e paradidáticos da Educação Básica e com o aumento das oportunidades de oferta de cursos de capacitação voltados aos profissionais desse nível educacional. Trata-se de um esforço conjunto para a construção do desenvolvimento sustentável da região” – assevera Rossi.

O Seminário vai acontecer no auditório da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP), situado às margens do Açude Velho. A palestra de abertura “Políticas Públicas para a Educação Básica” será ministrada pela Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva.
ara mais informações e inscrições, acesse a página eletrônica: http://www.insa.gov.br/snecsab/

Aline Guedes
Assessoria de Comunicação
Instituto Nacional do Semiárido (INSA/MCT)

terça-feira, 30 de março de 2010

Aula de campo leva estudante de agronomia da UFERSA a conhecer realidade do semiárido

Os estudantes do primeiro período do curso de agronomia da UFERSA estão tendo a oportunidade de conhecer a realidade do semiárido. É dentro da disciplina Introdução à Agronomia, ministrada pelo professor Josivan Barbosa. No último sábado, 27, as duas turmas que ingressaram na Universidade visitaram a Estação Experimental da UFERSA e a Agrícola Dinamarca, fazenda produtora de melão, no distrito de Pau Branco. Antes, passaram na Cobal para entrevistar comerciantes de hortifrutigranjeiros.

Na Estação Experimental, localizada na região de Alagoinha, conhecida também como Fazenda da UFERSA, os estudantes conheceram os vários projetos de extensão desenvolvidos pela Universidade Federal do Semi-Árido e os experimentos em agronomia desenvolvidos por professores e alunos da graduação e da pós-graduação (mestrado e doutorado). Na Estação se encontra o primeiro Centro de Pesquisa em Apicultura do país, além de infraestrutura com alojamentos, laboratório, residência, apiário.

Na Agrícola Dinamarca, os estudantes conheceram a realidade de um médio produtor de melão, as instalações e toda estrutura necessária para produção da fruta. Além das plantações, conheceram o packing house (casa de embalagem), a câmera fria e todo o processo da plantação ao transporte, passando pela colheita, armazenamento e embalagem. O produtor, que começou com 52 hectares atualmente contabiliza 280 hectares plantados com melão e oferece no período da safra, de julho a fevereiro, 168 empregos.

A Agrícola Dinamarca, de propriedade do engenheiro agrônomo Ájax Dantas, formado pela antiga ESAM, é uma das 8 fazendas produtoras de melão que integra a Coopefrut, cooperativa que exporta frutas da região do semiárido para a Europa, tendo como destino a Inglaterra, a Holanda e a Espanha. Na oportunidade, o produtor explanou para os estudantes a sua experiência na iniciativa privada, como agrônomo em grandes empresas como a Maisa, a Frunort e a Fazenda São João. “Hoje os produtores tem a UFERSA como grande parceria, através de consultorias, análises de solo e na área da fitossanidade”, revelou Ájax Dantas, o que não acontecia anteriormente com os grandes produtores pioneiros.

Para os futuros agrônomos a aula de campo é uma oportunidade de conhecer a realidade da profissão. “Achei muito bom poder observar, na prática, a realidade do mercado”, observou a estudante Ana Santana, que veio de Caicó, para estudar na UFERSA. “Achei importante, pois conheço um pouco de como acontece o plantio numa área que sempre chove - na serra - a aula de campo me levou a outra realidade que é a do semiárido”, afirmou o estudante José Washington Vidal Moraes Neto, natural de Pereiro, no Ceará.

Já para o paulista, Davi Ardashnikoff, que veio de Santos, para cursar agronomia em Mossoró, o contato direto com o produtor proporciona uma visão mais ampla sobre o curso. “Percebo agora que agronomia não é só cultivo, mas também toda uma logística que inclui pesquisas, comércio, transporte e mercado”, conclui o estudante.







Usina piloto deve operar em outubro

A usina piloto de produção de energia elétrica a partir da força das ondas do mar, que será instalada no quebra-mar do Terminal de Múltiplas Utilidades (Tmut), no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), localizado em São Gonçalo do Amarante, deverá operar a partir de outubro deste ano. A expectativa é do engenheiro Renato Rolim, coordenador de Energias e Comunicações da Secretaria da Infraestrutura do estado (Seinfra).

A compra dos principais componentes para a usina - câmara hiperbárica e o corpo do acumulador que juntos representam 80% do equipamento - já está acertada junto a uma empresa local. O investimento nestes equipamentos será de R$ 4 milhões e o contrato deverá ser assinado até o final deste mês.

Área

A área de 200 metros quadrados no quebra-mar do Tmut para abrigar a usina piloto - a primeira da América latina, também já está pronta. O "engordamento" da área, localizada na parte leste do quebra-mar receberá as pás da usina. Serão investidos no equipamento cerca de R$ 12 milhões, sendo R$ 1 milhão de contrapartida do Governo do Estado, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Secretaria da Infraestrutura do Estado do Ceará (Seinfra), Companhia de Integração Portuária do Estado (CearáPortos) e a multinacional Tractbel, que definiram o cronograma dos trabalhos. O equipamento vai acoplar ainda um protótipo de uma usina de dessalinização de água do mar.

A usina deverá funcionar por três anos para avaliação da tecnologia que aproveita a regularidade dos ventos e frequência das ondas do mar no litoral cearense para a produção de energia elétrica.

A produção de 100 kW é o equivalente ao consumo de 60 casas do padrão médio de consumo de energia elétrica no Estado e mesmo em fase de pesquisa gerará energia suficiente para ser aproveitada.

A implantação da usina prevê, além da aplicação de R$ 1 milhão pelo Governo do Estado, mais R$ 11 milhões da Aneel, oriundos do item Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologias da Tractebel.

"Contos Matutos" é o livro do escritor Haroldo Felinto, natural de Acopiara, lançado no mês passado na Bienal Internacional do Livro. Confira na reportagem da jorrnalista, Karoline Viana.

Fortaleza Um dia, o escritor peruano Mario Vargas Llosa recebeu um telefonema um tanto inusitado. Do outro lado da linha, um homem se identificava como Pantaleão Pantoja, protagonista de um dos livros que escrevera e que, não se sabe como, tomara forma e feição no que se costuma chamar de mundo real. Mas, de acordo com Haroldo Felinto, os personagens de seu livro "Contos Matutos", que será lançado no próximo dia 11, em Fortaleza, durante a Bienal Internacional do Livro, refletem o típico matuto sertanejo, com quem tanto conviveu no distrito de Trussu (município de Acopiara), onde nasceu e se criou.

São exemplos que mostram que os limites entre o real e o ficcional não são tão bem delimitados, permitindo intercâmbios: tem história inventada que é tão certa quanto aquilo que se vive, e tem situações da vida tão estranhas e complexas que mais parecem ter saído da imaginação. Neste caso, aquilo que o escritor considera a realidade sertaneja, vivida, ganha a ficção, no registro de papel que permite enganar o tempo e o esquecimento.

"Tudo sobre o sertão me interessa: falar de sua gente inculta, porém detentora de uma versatilidade e sagacidade incomuns. Este livro registra o linguajar desse povo humilde, mostrando sua astúcia, crenças e superstições. São pessoas com quem convivi e acredito que precisavam ter suas histórias resgatadas", conta o autor, que atualmente preside a Associação Cearense de Escritores (ACE).

Além de registrar causos, episódios e anedotas do que considera o "universo sertanejo", o sexto livro do escritor terá uma função social: a renda obtida com "Contos Matutos" será revertida para os escritores que não têm condições de editar suas próprias obras. "Infelizmente, não temos incentivo suficiente para poder colocar nossas obras no prelo. Considero-me um escritor regionalista, gênero que, infelizmente, está perdendo espaço, não se vê mais nas escolas", critica.

Tipos humanos

Os contos retratam diferentes tipos humanos do sertão, como o valentão, o marido traído (porém ingênuo), o vendedor de tabaco, o homem que se comunica com o sobrenatural (cujo conto, "O homem que falava com as almas"), a mulher adúltera. Os personagens, invariavelmente, conhecidos e chamados mais pelo apelido do que pelo nome de batismo: Chico Cão, Mané Besta, Zé do Tabaco, entre tantos outros. Nomes que ora remetem à atividade produtiva ou a alguma característica particular, carregada pela ironia e pela troça peculiar do homem do sertão, "que perde o amigo, mas não perde a piada".

Linguagem

A linguagem usada no livro reproduz o modo oral de contar histórias no Interior, onde o povo se junta nas rodas de conversa da calçada ou no bar da esquina. No meio de tanta conversa, procuram dar conta da vida de todo mundo, em contações mais descritivas do que tramadas. Nas histórias, não se sabe onde o homem ou mulher assunto da fofoca começa e o personagem de ficção termina.

Mas os tempos de hoje são outros, cheio de modernidades e influenciados pela urbanização do Interior. Questionado sobre o fato desse universo que descreve talvez já não seja como em seus tempos de menino do Trussu, Haroldo Felinto é taxativo: "Pode ser que alguma coisa tenha mudado, mas o espírito do sertanejo e seus costumes prevalecem, mesmo em um mundo moderno como o de hoje em dia".

Referências

O escritor, que tem livros que vão desde relatos memorialísticos até um dicionário de termos populares, tem como referências o baiano Castro Alves, na poesia, e os também regionalistas Graciliano Ramos, Milton Dias e Juarez Leitão na ficção. "Confesso que escrevo mais do que leio, é quase um vírus. No dia em que não dá para escrever, fico triste".

Em sua definição, Haroldo Felinto considera a escrita uma atividade terapêutica. "O escritor é a pessoa mais corajosa que existe, porque escreve sem medo para milhares de curiosos. Escrever é uma forma de viver mais, acredito que a gente vive bem mais escrevendo. Para mim, é uma atividade muito prazerosa, um dom divino. Não consigo entender quem diz que escrever é difícil, porque a pessoa acaba forçando a cabeça", finaliza o escritor.


Karoline Viana
Repórter

Bastante interessante o artigo do Professor Willington Germano, publicado na Revista Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, com o título As quarenta horas de Angicos.

As quarenta horas de Angicos*


José Willington Germano**

Angicos tornou-se uma palavra emblemática para todos aqueles que se interessam pela educação popular. A cidadezinha localizada no sertão do Rio Grande do Norte foi o palco em que, pela primeira vez, Paulo Freire, em princípios de 1963, pôs em prática o seu famoso método de alfabetização de adultos. Dessa maneira, o trabalho, que até então era desenvolvido de forma incipiente no Recife, ganhou grande visibilidade em níveis nacional e internacional.

Em dezembro de 1962, um grupo de estudantes, em sua maioria universitários, realizou o levantamento do universo vocabular da população de Angicos preparando o terreno para a experiência que viria a seguir.

Nos primeiros meses de 1963, esses estudantes, “católicos radicais”, criaram vários Círculos de Cultura e, sob o patrocínio do Governo do Rio Grande do Norte e da “Aliança para o Progresso” (programa de origem norte-americana), tornaram possível o emprego do referido método.

Fazer com que os participantes aprendessem a ler e a escrever e, ainda por cima, viessem a se politizar em 40 horas constituíam os objetivos fundamentais da experiência. Isso despertou enorme curiosidade, motivo pelo qual o trabalho de Freire e dos estudantes do Rio Grande do Norte correu o mundo. Em Angicos estiveram presentes observadores, especialistas em educação e jornalistas não somente dos principais meios de comunicação do Brasil, como do exterior. Para lá se deslocaram, por exemplo, representantes do New York Times, do Time Magazine, do Herald Tribune, do Sunday Times, do United e da Associated Press, do * Resenha do livro de Lyra, Carlos. As quarenta horas de Angicos: Uma experiência pioneira de educação. São Paulo, Cortez, 1996, 196 p. ** Professor do Departamento de Ciências Sociais – UFRN. 390 Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, agosto/97 Le Monde. Finalmente, o próprio presidente João Goulart, junto com Aluizio Alves, governador do Rio Grande do Norte, compareceu ao encerramento das atividades dos Círculos de Cultura, na distante data de 2 de abril de 1963.

Muito embora o período imediatamente anterior ao golpe de 1964 tenha sido muito rico em movimentos, campanhas e programas de educação e cultura popular, a exemplo do Centro Popular de Cultura da UNE e de diversas outras iniciativas que proliferaram, notadamente, no Nordeste do Brasil, a verdade é que coube a Paulo Freire o destaque principal e que ganharia fama nos mais diferentes quadrantes do mundo.

O país vivia, então, um clima de muitas mobilizações em favor das chamadas reformas de base. O campo nordestino fervilhava com as Ligas Camponesas e com os Sindicatos Rurais que lutavam pela reforma agrária. Partidos reformistas conseguiram ampliar os seus espaços no parlamento, e políticos identificados de esquerda conseguiram ser eleitos para altos cargos executivos (governador, prefeito) em diversos estados e cidades importantes do país. De igual modo, a Igreja passou a se envolver mais com as questões sociais, e, no horizonte das relações internacionais, preponderavam a “guerra fria”, a revolução socialista de Cuba e assim por diante.

Nesse contexto, a educação passou a ser alvo de grande interesse por parte dos setores reformistas, com uma particularidade: uma acentuada ênfase na dimensão política da educação. Assim, o que estava em jogo, para além da alfabetização de milhões de adultos, adolescentes e crianças, dizia respeito à necessidade de politizar e conscientizar o povo para que ele pudesse participar efetivamente da vida do país e influenciar decisivamente na transformação da sociedade brasileira. Enfim, numa linguagem muito discutida atualmente, o que estava colocado como

prioridade era o desenvolvimento de uma educação para a cidadania, para a organização da cultura, para a participação política de enormes contingentes populacionais.

É com esse espírito, pois, que a prefeitura do Recife, na época de Miguel Arraes, implementou o Movimento de Cultura Popular (MCP); em Natal, o prefeito Djalma Maranhão criou a Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”; em João Pessoa, surgiu a Campanha de Educação Popular (Ceplar), e a CNBB instituiu o Movimento de Educação Popular (MEB). Em síntese, nesse período surgiram dezenas e de-Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, agosto/97 391

zenas de iniciativas no campo educacional em que a politização constituía um item importante.

Convém ainda frisar que, não obstante quase todos esses movimentos terem feito uso de metodologias próprias, eles se deixaram inequivocamente influenciar pelo trabalho de Paulo Freire. Tanto é assim que em princípios de 1964, pouco antes do golpe, ao ser instituído o Plano Nacional de Alfabetização, o método de Freire foi oficializado pelo governo brasileiro, experimentando, assim, um notório processo de fortalecimento e de reconhecimento público.

A reação das classes dominantes e dos seus aliados norte-americanos, de amplos setores das classes médias e das Forças Armadas redundou na deposição de Jango e na implantação de um regime político de cunho ditatorial cuja principal preocupação era estancar, conter, as mobilizações sociais. É claro que a repressão atingiu duramente o campo educacional, a educação popular. Entre os atingidos encontravase, evidentemente, Paulo Freire: preso, processado, exilado, considerado subversivo.

Começa aí o périplo de Freire pelo mundo, tendo percorrido mais de 50 países, lecionado nos mais importantes centros universitários internacionais, como a Universidade de Harvard, e aplicado o seu método de alfabetização em nações da Ásia, da África e da América Latina.

A sua obra acabou, portanto, por assumir dimensões universais. Assim, por exemplo, Pedagogia do oprimido foi traduzido para 17 línguas, tendo vendido cerca de meio milhão de exemplares. Ao lado disso, tornou-se doutor honoris causa por 28 universidades, e 26 centros de pesquisas em educação recebem o seu nome em países como Brasil, Itália, Chile, Bélgica e Estados Unidos. As repercussões do pensamento do educador pernambucano podem ser avaliadas na obra organizada por Moacir Gadotti, intitulada Paulo Freire: Uma bibliografia,1 na qual cerca de 150 autores de todas as partes do mundo comentam a sua obra.

Na verdade, as idéias e a prática de Paulo Freire têm sido objeto de intensa polêmica dentro e fora do espaço universitário. Muitas teses, muitos livros e muitos artigos têm se debruçado sobre o legado do referido autor. As conclusões são controversas: para uns, sua pedagogia libertadora coloca-o entre as grandes expressões do pensamento educacional do século XX. Para outros, Freire seria fruto do populismo e do nacionaldesenvolvimentismo que pontificaram na sociedade brasileira nos anos 50 e 60. Seria um utópico, um humanista cristão, um iluminista etc. 392 Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, agosto/97

Ora, se a obra de Paulo Freire tem sido tão estudada e debatida, qual a contribuição específica do livro de Carlos Lyra As quarenta horas de Angicos? O que ele acrescenta ao que é conhecido acerca da aludida experiência de educação? São perguntas que se colocam.

Nessa perspectiva, a importância do trabalho de Lyra não diz respeito às análises que desenvolve, mas aos fatos que ele apresenta. Trata-se de um texto escrito em março de 1963 em que o autor, na condição de coordenador da experiência de Angicos, faz um relato, escreve uma espécie de diário do que ocorreu no cotidiano dos Círculos de Cultura.

Nunca foi publicado antes, embora tenha sido exposto pelas forças golpistas de 1964 como “material subversivo”, ao lado de O capital, de Karl Marx, e Recordação da casa dos mortos, de Dostoiévsky.

Como relato e exposição factual, o livro constitui uma preciosa fonte de pesquisa do que aconteceu no dia-a-dia de Angicos. O trabalho de preparação, o universo vocabular, as palavras geradoras, o desenrolar das “aulas”, os impasses vividos pelo grupo de estudantes, a alfabetização, a politização. Nesse particular, merece atenção o fato de existirem testes, não somente de alfabetização, mas também de politização, cujas médias obtidas pelos “alunos”, nestes últimos, alcançaram índices mais elevados do que as referentes à alfabetização. O aludido livro reproduz, outrossim, modelos dos testes utilizados no transcorrer da experiência, ao mesmo tempo em que identifica os sujeitos que participaram dos Círculos de Cultura e quais os motivos que os levavam a querer aprender a ler e a escrever.

Lá estavam presentes os subalternos — domésticas, operários, trabalhadores rurais, pedreiros, serventes, artesãos, lavadeiras, motoristas, carpinteiros etc. —, que responderam majoritariamente que desejavam aprender a ler e a escrever “para melhorar de vida”. Enfim, o livro apresenta “os fatos”; a “análise e as conclusões” são “tema da próxima publicação”, escreve Carlos Lyra.

Nesse sentido, o material induz a muitas interrogações (O que seria um indivíduo politizado, por exemplo, para os coordenadores dos Círculos de Cultura?) e permite, igualmente, fazer algumas inferências, quais sejam: 1) O predomínio de uma concepção de democracia e de participação política bastante restrita, reduzida praticamente ao ato de votar; 2) Os textos utilizados e as discussões travadas no interior dos Círculos de Cultura não propunham o conflito mas o entendimento, inclusive entre patrões e empregados. O conflito só surgiria caso falhasse o en-Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, agosto/97 393 atendimento; 3) A consciência política seria legada ao povo, a “uma população acomodada, conformada, indiferente, fatalista”, por uma elite esclarecida.

Pela sua dimensão documental, portanto, o livro de Carlos Lyra constitui uma contribuição extremamente significativa ao conhecimento dos acontecimentos de Angicos e do lançamento de uma das pedras fundamentais da obra do mestre recentemente desaparecido.

Nota

1. São Paulo, Cortez/Instituto Paulo Freire, 1996.