terça-feira, 30 de março de 2010

"Contos Matutos" é o livro do escritor Haroldo Felinto, natural de Acopiara, lançado no mês passado na Bienal Internacional do Livro. Confira na reportagem da jorrnalista, Karoline Viana.

Fortaleza Um dia, o escritor peruano Mario Vargas Llosa recebeu um telefonema um tanto inusitado. Do outro lado da linha, um homem se identificava como Pantaleão Pantoja, protagonista de um dos livros que escrevera e que, não se sabe como, tomara forma e feição no que se costuma chamar de mundo real. Mas, de acordo com Haroldo Felinto, os personagens de seu livro "Contos Matutos", que será lançado no próximo dia 11, em Fortaleza, durante a Bienal Internacional do Livro, refletem o típico matuto sertanejo, com quem tanto conviveu no distrito de Trussu (município de Acopiara), onde nasceu e se criou.

São exemplos que mostram que os limites entre o real e o ficcional não são tão bem delimitados, permitindo intercâmbios: tem história inventada que é tão certa quanto aquilo que se vive, e tem situações da vida tão estranhas e complexas que mais parecem ter saído da imaginação. Neste caso, aquilo que o escritor considera a realidade sertaneja, vivida, ganha a ficção, no registro de papel que permite enganar o tempo e o esquecimento.

"Tudo sobre o sertão me interessa: falar de sua gente inculta, porém detentora de uma versatilidade e sagacidade incomuns. Este livro registra o linguajar desse povo humilde, mostrando sua astúcia, crenças e superstições. São pessoas com quem convivi e acredito que precisavam ter suas histórias resgatadas", conta o autor, que atualmente preside a Associação Cearense de Escritores (ACE).

Além de registrar causos, episódios e anedotas do que considera o "universo sertanejo", o sexto livro do escritor terá uma função social: a renda obtida com "Contos Matutos" será revertida para os escritores que não têm condições de editar suas próprias obras. "Infelizmente, não temos incentivo suficiente para poder colocar nossas obras no prelo. Considero-me um escritor regionalista, gênero que, infelizmente, está perdendo espaço, não se vê mais nas escolas", critica.

Tipos humanos

Os contos retratam diferentes tipos humanos do sertão, como o valentão, o marido traído (porém ingênuo), o vendedor de tabaco, o homem que se comunica com o sobrenatural (cujo conto, "O homem que falava com as almas"), a mulher adúltera. Os personagens, invariavelmente, conhecidos e chamados mais pelo apelido do que pelo nome de batismo: Chico Cão, Mané Besta, Zé do Tabaco, entre tantos outros. Nomes que ora remetem à atividade produtiva ou a alguma característica particular, carregada pela ironia e pela troça peculiar do homem do sertão, "que perde o amigo, mas não perde a piada".

Linguagem

A linguagem usada no livro reproduz o modo oral de contar histórias no Interior, onde o povo se junta nas rodas de conversa da calçada ou no bar da esquina. No meio de tanta conversa, procuram dar conta da vida de todo mundo, em contações mais descritivas do que tramadas. Nas histórias, não se sabe onde o homem ou mulher assunto da fofoca começa e o personagem de ficção termina.

Mas os tempos de hoje são outros, cheio de modernidades e influenciados pela urbanização do Interior. Questionado sobre o fato desse universo que descreve talvez já não seja como em seus tempos de menino do Trussu, Haroldo Felinto é taxativo: "Pode ser que alguma coisa tenha mudado, mas o espírito do sertanejo e seus costumes prevalecem, mesmo em um mundo moderno como o de hoje em dia".

Referências

O escritor, que tem livros que vão desde relatos memorialísticos até um dicionário de termos populares, tem como referências o baiano Castro Alves, na poesia, e os também regionalistas Graciliano Ramos, Milton Dias e Juarez Leitão na ficção. "Confesso que escrevo mais do que leio, é quase um vírus. No dia em que não dá para escrever, fico triste".

Em sua definição, Haroldo Felinto considera a escrita uma atividade terapêutica. "O escritor é a pessoa mais corajosa que existe, porque escreve sem medo para milhares de curiosos. Escrever é uma forma de viver mais, acredito que a gente vive bem mais escrevendo. Para mim, é uma atividade muito prazerosa, um dom divino. Não consigo entender quem diz que escrever é difícil, porque a pessoa acaba forçando a cabeça", finaliza o escritor.


Karoline Viana
Repórter

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