terça-feira, 24 de agosto de 2010

Em julho passado, amigos e familiares de Zé Maria, pediram, em protesto, rigor na apuração da sua morte. Confira reportagem publicada no Diário do Nordeste.

Comunidade acampa em prol de Zé Maria

MELQUÍADES JÚNIOR

Limoeiro do Norte. Para dizer que a luta não acabou, e a causa do porta voz da comunidade do Tomé, em Limoeiro, continua viva, centenas de trabalhadores rurais, militantes sociais, pesquisadores e estudantes universitários estarão, de hoje até o próximo sábado, realizando o Acampamento Zé Maria. Será o maior manifesto já realizado desde a morte do líder comunitário José Maria Filho, quatro meses atrás. Estava prevista para a madrugada de hoje um protesto, mantido sob sigilo pela organização do evento. Seminários, apresentação de pesquisas e oficinas também fazem parte da programação. E será feita a entrega oficial do dossiê sobre os agrotóxicos na Chapada do Apodi e os impactos na saúde, trabalho coordenado pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Três dias de gritos, de uma história de reivindicação que já dura muitos anos, dessa vez lembrada nos quatro meses de morte de "Zé Maria do Tomé", líder comunitário e principal denunciante da contaminação por agrotóxicos no trabalhador, na família e no solo, principalmente na comunidade que representava, o Tomé, na Chapada do Apodi, em Limoeiro. Haverá série de mobilizações contextualizadas no acampamento - saúde, reforma agrária, agroecologia, combate a corrupção eleitoral. Algumas das mobilizações foram tratadas sob sigilo pelos organizadores e não incluídas na programação oficial para o dia de hoje.

Está prevista a presença de centenas de famílias de comunidades de vários assentamentos rurais da região jaguaribana. Todas as diferentes manifestações de luta pela terra em uma só. Durante a manhã de hoje será montado o acampamento na Praça da Câmara Municipal de Limoeiro. A escolha do lugar é óbvia: foram os vereadores de Limoeiro que, numa manobra de última hora em maio desde ano e cedendo a pressões políticas, revogaram a lei que proibia a pulverização aérea na Chapada do Apodi. Era essa uma das principais lutas do agricultor e comerciante José Maria Filho, principal denunciante dos problemas com agrotóxicos na Chapada, todas feitas com exclusividade pelo Diário do Nordeste. As famílias reclamavam do avião despejando veneno que, espalhado pelas ventanias, atingia as residências, causando problemas de saúde.

A decisão da Câmara pela derrubada da proibição aconteceu com um mês da morte de José Maria, assassinado com 18 tiros quando voltava para casa. Por ironia ou coincidência, o seu corpo foi alvejado a poucos metros da pista de pouso da cidade, de onde partiam os aviões pulverizadores e com seguidas visitas do protestante para provar que mesmo com a então proibição pela lei municipal, os empresários continuavam realizando a pulverização. A reportagem descobriu na época que os fiscais do Ministério da Agricultura, órgão responsável pela permissão federal da pulverização, nem tinham conhecimento da lei - ou se tinham, passaram por cima.

No intervalo da morte de José Maria e a revogação da lei pelos vereadores de Limoeiro, pesquisadores do Núcleo Trabalho, Saúde e Meio Ambiente para a Sustentabilidade (Tramas) da UFC divulgaram dado parcial de uma pesquisa apoiada pelo CNPq e que dimensionou o nível de prejuízos causados pelo agrotóxicos: após análise laboratorial, foi constatada a presença de vários tipos de fungicidas, herbicidas, acaricidas e inseticidas em todas 46 amostras de água para abastecimento humano coletadas na Chapada do Apodi. Foram encontrados na torneira de casa até agrotóxicos que estão em reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo alto teor nocivo à saúde humana.

Ensejando o Acampamento Zé Maria, acontece hoje e amanhã o Seminário Conhecimento e Ação: Resultados da Pesquisa Agrotóxicos/UFC, com participação do Ministério Público e Procuradoria Regional do Trabalho. Hoje finda com um debate, e amanhã haverá discussão sobre mapeamento da saúde em assentamentos rurais, bem como alternativas de produção feitas por comunidades agrícolas na região. Hoje à tarde a professora Raquel Rigotto, coordenadora do Núcleo Tramas, anunciará mais resultados preliminares da pesquisa "Estudo epidemiológico da População da Região do Baixo Jaguaribe" exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos.

Melquíades Júnior
Colaborador

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