terça-feira, 27 de abril de 2010

Alcanorte: como enfrentar maldições, preconceitos e desafios

Tem ressurgido com força nas últimas semanas a discussão sobre a Alcanorte e sua revitalização. O assunto ganhou projeção principalmente por mérito do Novo Jornal, inicialmente através de relevante artigo do ex-Presidente da FIERN, Bira Rocha, e com uma série de artigos e reportagens subsequentes que geraram pronunciamentos e iniciativas de parte de parlamentares, líderes empresariais e outros formadores de opinião importantes. Sempre que reaparece, este assunto acende paixões, incendeia debates e sucita acertos e equívocos de grande magnitude.

A Alcanorte nunca é, e talvez nunca tenha sido, um assunto tratado com merecidas e necessárias racionalidade, objetividade e serenidade. Isso é até compreensível, dado o histórico de confusões que envolve a sua criação e inacabada implementação: uma história altamente polêmica, recheada de teses mercadológicas inexpugnáveis, teorias conspiratórias envolvendo lobbies internacionais poderosíssimos, complexidades técnicas compreendidas por menos de 10% dos que se arvoram a falar sobre o assunto, correlações políticas e corporativas obscuras - em suma, todos os componentes de um verdadeiro thriller empresarial capaz de cansar qualquer cristão, que dirá algum investidor minimamente sério.
 
É por isso que o Governo do Estado do Rio Grande do Norte vem trabalhando desde 2005, em regime de absoluta discrição - mas de forma objetiva e eficaz, na análise contextual, técnica e econômica das possibilidades de revitalização da Alcanorte em Macau-RN. Ao contrário do que pode parecer aos olhos de quem somente conhece o assunto pela imprensa, o Governo do Estado tem acompanhado paripassu as disputas judiciais que se sucederam ao longo dos últimos 7 anos pelo controle e gestão tanto da Álcalis (RJ) quanto da Alcanorte, sua subsidiária integral. Ao longo deste período, tanto a Secretaria de Energia (secretários Tiburcio Batista e Jean-Paul Prates sucessivamente) quanto a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (secretários Tiago Gadelha, Marcelo Rosado e Segundo de Paula) receberam e ouviram as diretorias então ocasionalmente legitimadas por decisões judiciais a cada momento, e solicitaram informações e projetos relativos à revitalização da planta e outras atividades potencialmente interessantes para a Alcanorte no RN. No entanto, as parcas informações retornadas não inspirariam qualquer gestor público minimamente responsável a avalizar planos inconsistentes e uma situação contábil e financeira incerta. Menos ainda o fariam investidores de qualidade, nacionais ou estrangeiros, estatais ou privados.
 
Algumas descobertas e fatos novos, consolidados nos últimos meses, fizeram com que pudessemos começar a sonhar de novo com um Alcanorte revista e potencialmente viável:

Vocês sabiam que, apesar de aparentemente morta, a Alcanorte (e a sua mãe, Álcalis) ainda geram receita - advinda de royalties de poços terrestres localizados dentro de seus domínios e de contratos de cessão de uso para captação de água (Caern/Macau), arrendamento para aeroporto (Arraial do Cabo/Cabo Frio) e aluguel de imóveis (tanto em Macau quanto em Arraial do Cabo), além da venda de sucata (em Arraial do Cabo)?

Vocês sabiam que as disputas judiciais pelo controle das empresas eram basicamente para poder gerir e "aplicar" esta pequena receita - em detrimento do potencial gigantesco de investimentos e utilizações que estes ativos podem representar?

Vocês sabiam que, depois de décadas debatendo acerca do caráter estratégico ou não da barrilha (em conjunto com petróleo, aço, ferro etc), e apesar de ter conseguido construir grandes conglomerados bem sucedidos em todas estas últimas áreas, o Brasil ainda importa 100% da barrilha de que necessita?

Vocês sabiam que, passadas décadas de abandono, ainda não existe localidade mais tecnicamente correta e economica/logisticamente viável para se produzir barrilha no Brasil que a Alcanorte, em Macau-RN?

Vocês sabiam que os ativos da empresa-mãe Álcalis foram vendidos aos pedaços pelas gestões anteriores sob a forma de sucata, e que a fábrica de barrilha que lá ainda funcionava já não existe mais? E que, mesmo que existisse, o suprimento das sua matéria-prima seria inviável - pois o calcário era extraído das conchas do fundo da Lagoa de Araruama (operação hoje proibida pelos órgãos ambientais do RJ) e o sal era "importado" do RN para Arraial do Cabo, porque as salinas de lá já não produziam eficientemente?

Vocês sabiam que a unidade industrial que se encontra encaixotada e integralmente inventariada lá em Macau inclui uma termoelétrica de 16MW que faz com que a produção de barrilha da unidade (que pode suprir um terço da demanda nacional) seja auto-suficiente tanto em energia quanto em vapor, prescindindo do vapor da Termoaçu?

Vocês sabiam que a atual diretoria, liderada pelo advogado Tiago Brasil de Souza, assumiu o comando da Álcalis e da Alcanorte no ano passado surgindo pela primeira vez como "terceira via" na assembléia de empregados, vencendo uma dura disputa com os grupos que geriram a empresa nos últimos 10-12 anos, prometendo recuperar a empresa e cessar o desmantelamento gradual dos seus ativos?

Vocês sabiam que, logo após eleito, o novo Presidente da Alcalis/Alcanorte procurou o Governo do Estado do RN e expressou oficialmente o seu interesse em garantir empenho através da nomeação de equipe técnica e utilização da receita ainda existente para elaborar inventários de ativos, estudos de mercado, análises tecnico-financeiras visando a revitalização da empresa?

Finalmente, vocês sabiam que, desde meados do ano passado, a Secretaria de Energia e Assuntos Internacionais, conjuntamente com a Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria de Planejamento e Finanças e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, vem empreendendo - discreta mas consistentemente - um processo de investigação, análise, discussão interna e trabalho técnico com vistas a finalizar um diagnóstico preliminar da situação operacional, técnica, financeira, societária e tributária da Alcanorte? E que este diagnóstico servirá de base para a elaboração das diretrizes e metodologias para enfrentar efetivamente o desafio de revitalizá-la, aprimorá-la ou adaptá-la aos novos contextos de mercado do Brasil e do mundo - não somente quanto à barrilha como também quanto a outros potenciais segmentos industriais e petroquímicos que poderão ser viabilizados a partir de seus ativos? Pois é.

É claro que a revitalização da Alcanorte dependerá da mobilização política de alto nível, da parcerias de empresas como a Petrobras, a COSERN, a POTIGÁS, a CAERN e de investidores setoriais brasileiros e até estrangeiros que consigam enxergar oportunidades de parceria (e não mendicância ou caridade) para com um novo, moderno e objetivo conceito de ALCANORTE.

Mas de nada adiantará gritar e reivindicar sem saber do que se está falando, e principalmente sem saber o que pedir - ou melhor, o que intercambiar. Isso foi feito durante anos, sem sucesso. Até que os reivindicantes vocálicos se cansaram e/ou se queimaram - e amaldiçoaram a Alcanorte como se dela fosse a culpa.

Discrição e diagnóstico técnico e econômico - antes de lançar reivindicações ao léu. Essa foi a abordagem recomendada pela Governadora Wilma de Faria, recentemente referendada pelo futuro Governador Iberê Ferreira de Souza. É assim que se enfrentam maldições históricas, preconceitos mercadológicos, desinformação e desafios técnicos.

Para quem já esperou mais de três décadas com equipamentos ao vento, o que são alguns meses de trabalho prévio para não se pregar no deserto?




Um comentário:

Jean-Paul Prates disse...

Caro amigo Josivan. Gostaria que pudesse, por obséquio, fazer menção à nossa autoria do texto deste post, originalmente publicado em www.energiarn.com.br em http://bit.ly/bhTyv4 (19/MAR/2010). Obrigado. Abraço JP Prates.