sexta-feira, 13 de março de 2009

100 ANOS DE PATATIVA DO ASSARÉ

100 ANOS DE PATATIVA DO ASSARÉ


Patativa do Assaré completou 100 anos. Nesse século de vida, criou, inovou, encantou o povo simples do Sertão e os intelectuais. Ajudou a levar mais cultura para o Interior do Ceará e um pouco desta cultura para o Brasil e o mundo, onde foi lido, estudado em universidades e escutado em poemas musicados por cantores consagrados. Na lida simples do roçado fez seus versos que falavam da natureza, da justiça social e da terra, que deixaram sua marca na vida e na alma do cearense.

MESTRE COUREIRO

Joaquim de Cota dispensa o auxílio de óculos para exercer seu ofício preciso. Aos 93 anos, o coureiro é o único artista de Assaré a ganhar o título de Mestre da Cultura, do Governo do Estado. Desde os tempos de adolescente, Joaquim trabalha dando forma ao couro de animais. Suas obras, marcadas pelo detalhismo, são voltadas para a vida prática do campo. Faz selas, roupas e assessórios para quem lida com gado. Quando os tempos eram outros, de assistência médica precária, chegou a fazer talas com o material para socorrer quem sofresse fraturas.Produção artesanal de ferramentas resisteMestre Audísio passa dos 70 anos sem abandonar seu duro ofício. O velho ferreiro trabalha com o filho de forma artesanal. Faz ferramentas para o roçado, estribos e o que mais pedirem. Íntimo do fogo, foge da chuva como o Diabo da cruz; prefere ficar longe de bebidas geladas; e fuma três maços de cigarro por dia. É conhecido ainda pelo pensamento rápido e pelas ´piadas de resposta´.O canto contínuo da tradiçãoMiceno Pereira é um cantador dos velhos tempos. Parceiro de Patativa do Assaré dos tempos em que o poeta varava noites em cantorias, Miceno aprendeu a arte do verso e da viola de ouvido. Entre um verso e outro, lembra dos tempos em que Patativa ia de cavalo, de sua casa na Serra de Santana, até a residência de Miceno, na sede de Assaré, para desafiá-lo a uma noite de disputa e improviso.Sabor forte, arte culinária delicadaLingüiça com tapioca: essa iguaria foi passada a Zenilde Soares Ferreira, 76 anos, pela mãe. Hoje, em seu comércio no Centro serve fregueses que vêm de toda a região.

É marcante como Patativa, ainda hoje, encanta Assaré, onde todo mundo tem uma história para contarNa história da literatura, não é difícil encontrar autores que cantaram, à exaustão, sua terra natal. Com Patativa do Assaré, a relação é diferente. Não que o poeta não tenha cantado o lugar onde nasceu, mas é marcante como ele, ainda hoje, o canta.“Ave Maria! Aqui todo mundo conhecia ele. Ele falava com todo mundo e se alguém parasse ele na rua e pedisse pra fazer verso, ele fazia ali mesmo, na hora”, relembra o violeiro Miceno Pereira, 71 anos. O professor de música Luiz Ferreira Lima, 43 anos, completa: “ele dizia mesmo, mas só quando tava na veia boa”. Mesmo bem mais jovem que o poeta, Luizão (como é mais conhecido) teve uma convivência próxima nos anos em que ele viveu na sede de Assaré.Em 93 anos de vida, Patativa atravessou gerações. Luizão guarda lembranças de infância, quando via o poeta pela cidade com Rosemberg Cariry. No caso de Miceno, as primeiras lembranças do poeta coincidem com o despertar para a arte da cantoria. “A primeira vez que vi ele tem muito tempo. Foi em 1948. Eu tinha 11 anos de idade e assisti à primeira cantoria, de Patativa e João Alexandre, que morava em Juazeiro do Norte”, relembra o violeiro.Miceno Pereira ao lado de Anacleto Dias, outro violeiro famoso na cidade, acompanhados de outros cantadores do Cariri homenagearam o poeta em seu velório. “Nós cantamos de improviso no memorial. Cantei no velório, perante o corpo... coisa que eu fiz uma vez e acho que não faço mais outra”, confessa.O comerciante João Palácio, 66 anos, guarda lembranças de seu freguês. “Ele tinha o coração bom. Não tinha exigência de mercadoria. Ele levava os produtos da cesta básica. Sua compra era a do prato do dia. Mas quando ele pegava um dinheirinho a mais, passava aqui e levava coisa pro pessoal dele que ainda mora na serra”. Zenilde Soares Ferreira, 76, é outra comerciante da cidade a lembrar do Patativa, mais homem do cotidiano que artista afamado. “Quase todo dia, às 7 horas, ele tava aqui, pra beber um cafezinho e pra eu fazer um cigarro de palha bem forte pra ele”, recorda.Homenagem e comércioAs marcas de Patativa se espalham pelas ruas da cidade. O terminal rodoviário, que recebe os visitantes em sua terra, presta-lhe uma homenagem, chama-se Assaré do Patativa. Nas esquinas de Assaré, as placas de rua trazem estampado o rosto do poeta, bem como versos tirados de suas obra. A Praça da Igreja Matriz abriga uma estátua do poeta, que está voltada para o memorial.Patativa do Assaré ainda não foi transformado em “grife”, assimilada pela indústria da cultura. Na cidade, não se encontra souvernires ou “lembrancinhas”. As lembranças são da ordem da memória, e são partilhadas por aqueles que o conheceram, sem ser necessário pagamento de tributos.A marca de Patativa do Assaré recai sobre poucos produtos. A Fundação Memorial Patativa do Assaré, que administra o memorial, comercializa camisetas, DVD com apresentações de TV, CDs, livros sobre o poeta e suas obras que estão em catálogo. Como produto que fatura sobre sua imagem, sem manter ligação com os herdeiros, há a Cachaça Patativa, produzida no Crato. Na estampa, um pequeno pássaro cinza (como o é a patativa) e, quase escondido, um chapéu de palha, que reforça a dúvida quanto a uma possível coincidência. ENQUETEO POETA NO COTIDIANO DA CIDADEJoão Palácio66 ANOSComercianteA gente se conhecia há muito tempo, desde a época em que ele morava na Serra de Santana. Depois que veio pra cidade, nos anos 1970, ficamos mais próximos. Ele freqüentava meu comércio para comprar as coisas de casa e conversar.Luiz Ferreira Lima43 ANOSProfessorEle era uma pessoa muito engraçada. Teve um dia que ele foi às compras e achou caro os preços do mercadinho. O dono pediu para ele fazer um verso e Patativa respondeu na hora, com um verso que satirizava os preços que ele achava absurdos.Romualdo Gonçalves da Silva65 ANOSGenroMeu sogro foi um homem muito bom. Era uma pessoa boa de conversar, que estava sempre preocupado com o pessoal da família. Me ajudou muito. Não posso dizer que foi melhor que meu pai, mas este me ajudou pouco porque era muito pobre.

Centenário de Patativa movimenta Assaré, que prepara homenagensAntônio Gonçalves da Silva viveu a maior parte de seus 93 anos em Assaré. Lá nasceu e morreu, tendo saído da cidade apenas por curtas temporadas. A maioria delas motivada pelo desejo de divulgar sua arte. Poeta maior entre o panteão popular, Patativa do Assaré colocou a pequena cidade do Cariri no mapa da cultura nacional. Assaré respira seu filho ilustre e, às vésperas de seu centenário, se prepara para celebrá-lo. Desde o primeiro dia do mês, a cidade está em festa. É a quinta edição de Patativa do Assaré em Arte e Cultura, evento anual que já entrou para o calendário de festas do município (confira programação ao lado).As casas do poetaO dia também será marcado por ações voltadas à preservação da memória de Patativa do Assaré. O secretário de Cultura do Município, Marcos Salmo, confirmou a reinauguração da casa em que nasceu o poeta Patativa do Assaré, na Serra de Santana. O casarão de taipa, contando com 16 cômodos, foi restaurado pela Prefeitura com o apoio da equipe de patrimônio da Secretaria da Cultura do Estado. O orçamento da ficou em torno de R$ 60 mil.De acordo com a Secretaria de Cultura de Assaré, a idéia é transformar o local em um Museu do Agricultor. Ainda não há data precisa para que o projeto seja executado, mas a proposta é que seja administrado pela Fundação Memorial Patativa do Assaré. A fundação, dirigida pela neta de Patativa, Isabel Cristina Gonçalves, é a responsável pela casa dedicada ao artista. O Memorial Patativa do Assaré se localiza na Praça da Igreja Matriz, em um casarão do século XVIII, que abriga uma exposição permanente sobre a sua vida e obra. Fotografias e retratos do poeta produzidos por artistas diversos em diferentes técnicas, objetos pessoais, livros, LPs, CDs e vídeos: o acervo cobre toda a produção de Patativa e deixa entrever a intimidade do homem.Este material fica no primeiro andar da construção que possui três pisos. No segundo, o espaço é reservado para outras exposições; e o terceiro abriga uma biblioteca de cordéis e a parte administrativa do memorial. O local ainda dispõe de um auditório, com 70 lugares. Na programação do evento, em homenagem ao poeta, está confirmada a assinatura da Ordem de Serviço de reforma do Memorial Patativa do Assaré, pelo secretário da Cultura Auto Filho. A obra prevê a ampliação do auditório e reparos na estrutura do prédio e em sua instalação elétrica. PROGRAMAÇÃO EM ASSARÉ6 horas - Alvorada festiva com a Banda de Música Manoel de Benta7h30 - Café literário9 horas - Reinauguração da Casa que nasceu Patativa17h30 - Missa em ação de graças ao nascimento do poeta19 horas - Inauguração da Sala de Exibição Inspiração Nordestina, no Centro Social Maria de Jesus Oliveira20 horas - Assinatura da Ordem de Serviço de reforma do Memorial Patativa do Assaré21 horas - Apresentações do cantor Fagner, dos sanfoneiros Waldonys e Dominguinhos e da banda Forró SacodeObra rende frutos à famíliaA fama de Patativa do Assaré nunca foi compatível com as suas posses. O poeta trabalhou na roça, até metade da década de 1970, e da terra tirava o sustento da família. Sem constituir uma fortuna financeira, a obra que deixou, hoje, ajuda os filhos que teve com dona Belinha.A inventariante da obra é a neta Isabel Cristina, 32 anos, filha de Lúcia Gonçalves. É ela a responsável por tratar da liberação da obra para publicações e gravações. “Temos contratos com várias editoras. Algumas pagam os direitos da obra trimestralmente, outras, por semestre. Atualmente, a obra de vovô é publicada pelas editoras Hedra, Vozes, Global e Escrituras”, conta Isabel. O dinheiro que recebe é repassado em sete partes iguais, correspondentes ao número de filhos vivos que Patativa do Assaré tinha até o momento de sua morte.Isabel conta que a obra do avô nunca rendeu uma grande quantia em dinheiro para a família. “Dava pra ganhar dinheiro com as poesias que ele fazia, mas vovô nunca foi de tá cobrando os outros, de tá explorando. Não digo que ele ganhava. O que vinha, ajudava a família, mas ele poderia ter ganhado muito mais” avalia. Hoje, a administração da obra é bem planejada. “Temos algumas poesias inéditas (ver pag.9) e temos interesse em publicá-las. Mas, acho que este não é o momento”.Sobrinho é único herdeiro líricoA herança de Patativa do Assaré para a família reside na formação moral (rígida) que deu aos filhos e as propriedades material e intelectuais. A arte de versejar não foi passada para seus descendentes. “Dos filhos que papai teve, ninguém aprendeu a fazer verso. A gente só fazia, às vezes, uma quadrinha”, assegura Inês Cidrão, filha de Patativa.Entre os Gonçalves, Patativa teve, como herdeiro de sua arte, o sobrinho Geraldo Alencar, 63 anos. Não que Geraldo tenha aprendido a fazer versos com o tio. Seu primo, o filho de Patativa que também se chama Geraldo, é quem explica: “isso não é coisa que se aprenda não. A pessoa já nasce com aquela coisa de fazer poesia”. Geraldo, o poeta, concorda, mas não esconde a dívida com o tio. “Eu escrevia sonetos e ele dizia que ´tava fora da métrica”.Geraldo é filho de um primo de Patativa. Como o tio, nasceu, se criou e viveu a maior parte da vida na Serra de Santana. Foi lá, também, que começou a fazer versos, aos 14 anos. “Ele era muito carrasco. Gostava de dizer a verdade e era muito pontual. Eu mostrava e ele dizia que não prestava. Até que um dia, eu escrevi um poema intitulado ‘Pergunta de Morador’. Aí ele ficou calado. Depois de uns dias, me perguntou: ‘Geraldo, você me dá a permissão de fazer a resposta pr’aquele verso seu’”, lembra.Daí nasceu a parceria que rendeu três volumes da antologia “Balseiro”. Inês lembra das composições. Quando Patativa subia a serra, sempre procurava o sobrinho. “Inês, vá ali chamar Geraldo, pra gente passar a tarde brincando. Um sentava numa testeira da mesa e o outro, na ponta. Ele fazia um poema na mente e Geraldo fazia o dele escrevendo”, conta.

Geraldo Gonçalves de Alencar: parceiro em obra de três volumes

Patativa do Assaré foi lembrado no Carnaval de Rua de Fortaleza 2009. Os carnavalescos da Escola Samba Império Ideal, que reúne cerca de 350 componentes da comunidade do Mucuripe, foram buscar na arte do poeta de Assaré inspiração para o enredo da agremiação, materializando em forma de samba e alegorias a vida e a obra de Patativa.

As estátuas provocam reações do público, que variam entre o respeito e o vandalismoOscilam entre celebração, indiferença, risos e até manifestações de vandalismo as reações de turistas e nativos diante da estátua do poeta Patativa do Assaré, exposta no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Em Assaré, sua réplica se encontra num pedestal, na Praça da Igreja Matriz, de frente para o Memorial que homenageia o poeta. Longe do chão, costuma passar despercebida, sem provocar grandes paixões ou rejeições.A escultura do Cdmac, medindo cerca de 1,50 metro, confeccionada em bronze fundido, é uma tentativa de aproximar o poeta da “roça” com a “cidade”, ou, ainda: promover a interação entre a arte e o público. No entanto, a proposta, respaldada na arte contemporânea, não é concretizada, uma vez que as pessoas não vêem a peça como uma homenagem ao poeta de Assaré. No meio do povo, a escultura — em pose de declamação, daí a mão estendida — passa a impressão de um pedinte.Inaugurada em novembro de 2004, o trabalho é assinado pelo escultor Murilo de Sá Toledo, conforme inscrição na placa que traz ainda um trecho da poesia “Cante lá que eu canto cá”. A placa é pisada pelas pessoas que, entre o reconhecimento ou a indiferença, passam ao largo.Muitas pessoas param para admirar, mesmo sem conhecer o artista. “Não conhecia Patativa, mas achei a estátua interessante, muito expressiva”, revela Nei Naiff, 50 anos, escritor carioca que não passou indiferente diante da “expressividade” da escultura. “Gostei muito do verso inscrito na placa”, disse.Mesmo confessando não conhecer a obra, disse: “Já ouvi falar de Patativa, acho que é um cordelista”. No entanto, não hesitou em admitir saber da importância dele para a cultura cearense. O filho de 13 anos, Guilherme Gilioli, disse ter ouvido falar do poeta de Assaré, em Curitiba. Aproveitou e fez uma foto ao lado da estátua que fica disposta no lado direito do Cdmac, de costas para o mar, olhando para o seu querido sertão.A inscrição da placa traz os versos: “Poeta cantô da rua/que na cidade nasceu/cante a cidade que é sua/ que eu canto o sertão que é meu”. À noite, uma luz colocada na parte interna do chão, ajuda a iluminar a placa, o que não impede de continuar sendo pisada pelas pessoas.A falta do reconhecimento do poeta, a partir da estátua, feita em tamanho natural e colocada direto ao chão, faz com que muitos façam brincadeiras e atos de vandalismo. Os óculos são sustentados por parafusos, já que foram roubados uma vez. Os vendedores ambulantes que trabalham no local não gostam do que fazem com a estátua. Para alguns, a família deveria mandar retirar a escultura dali.Léa Letícia dos Santos, 34 anos, vende doces no local, há 9 anos, considera “falta de respeito”. Muitos colocam cigarro na boca do Patativa, outros, garrafinhas de água. De acordo com o ambulante Marcelo Bernardes Sousa, 37 anos, “quase ninguém passa indiferente”, pois sempre mexem com a estátua.Marco Antônio de Freitas Clementino, 17 anos, que passou para o curso de Ciências Biológicas disse, que dos livros indicados para o Vestibular, o do Patativa foi o que ele mais gostou. “Gosto da sua poesia”. Diego Alves, 17 anos, estudante de História, confessou: “Tenho vontade de estudar sua obra”, assim como Mayara Uchoa, 17 anos, estudante de Letras. “A poesia de Patativa é de fácil entendimento”, elogiou.Os jovens confessam que entraram em contato com a obra de Patativa a partir da indicação da lista de obras para o Vestibular. O grupo fazia brincadeiras com a estátua, assim como um casal de turista. Uma turista, rindo, parou para imitar o gesto de Patativa que com a mão esticada, declamando, se confunde com a de um velhinho mendigo. CANTE LÁPoeta, cantô da rua, / Que na cidade nasceu,/ Cante a cidade que é sua, /Que eu canto o sertão que é meu.Se aí você teve estudo, / Aqui, Deus me ensinou tudo, / Sem de livro precisá/ Por favô, não mêxa aqui, / Que eu também não mêxo aí, /Cante lá, que eu canto cá´


Clerton Martins e Henrique Rocha falam dos significados da obra de PatativaA obra de Patativa do Assaré tem como principais características a interpretação e o registro do espaço natural onde ele viveu. As temáticas e conflitos encontrados em sua poesia estão intimamente associados ao ambiente ao qual pertenceu e à sua vivência cotidiana de agricultor.O tempo de Patativa dedicado ao trabalho no campo é o mesmo dedicado a construir suas rimas, acertar suas métricas e afinar seu ritmo. Fica-se assim sem saber o que era ócio criador ou o que era trabalho, ou que, sabiamente, fazem os homens sensíveis: transformam tempo monótono em tempos ricos de re-criação.Como observou Gilmar de Carvalho, Patativa foi o “camponês de mão grossa, e fina sensibilidade que encontrava na comunhão com a terra a força que seu verso emanava”. É a partir deste sentido de apropriação de lugar através da poesia, que destacamos alguns temas recorrentes na poesia de Patativa que fazem de sua produção literária um referencial descritivo para o leitor e revelador dos sentidos do poeta, na apropriação dos ambientes na sua memória.A poesia de Patativa é impregnada de força telúrica revelada, ora pela permanência de sua força oral, ora pela distinção em que os poemas são grafados, conservando as características principais da fala. Ele possuía uma visão cosmológica de seu lugar, um sentido de apropriação que o fez permanecer a vida toda no ambiente onde se identificava e se inspirava, se reconhecia e podia exercer sua ética sertaneja.A modernidade e seus impactos não escaparam à observação de Patativa que assumiu uma forma de medição entre sua experiência humana individual e a experiência coletiva. A forma incisiva com a qual Patativa trata as relações de trabalho em sua poesia, em particular, o sistema fundiário, fez com que ele chegasse a ser considerado subversivo.Mesmo correndo o risco de ser tachado de comunista, situação que rebatia, prontamente, Patativa não poupou críticas à dominação econômica sofrida pelos trabalhadores rurais. Uma poesia comprometida com a terra, porque é nela que ele investe seu tempo e trabalho. Foi especialmente durante a lida na roça que criou boa parte de sua obra.Porém, o trabalho associado à condição do homem rural no interior nordestino, não é visto pelo poeta sempre sob a perspectiva do sacrifício e das relações de sujeição. Podemos ver alguns sinais da ética sertaneja defendida por Patativa, bem como referências à realidade do trabalho do vaqueiro na fazenda de gado, como o ofício passado de pai pra filho, fidelidade ao patrão (não por subserviência, mas pelo esquema de recompensa do trabalho através das partilhas).O processo de apropriação do ambiente por Patativa do Assaré remete à transformação do espaço em lugar significativo a partir da experiência do poeta que evoca as características intrínsecas de um espaço que é transformado em lugar. A extensão da apropriação pode ser observada em processos de identificação espacial e composição simbólica. Desta forma, na leitura de sua obra é possível, sem muito esforço, entender a dimensão da importância do ambiente na constituição estética de sua poesia.A diversidade temática de sua produção é marcante, revelando seu interesse pelos acontecimentos do cotidiano local, mas também do mundo global. Este sentido de ser e estar no mundo produziu conteúdos de onde se pode extrair situações de sofrimento, prazer e desprazer que podem ser enxergadas nas entrelinhas do discurso poético de Patativa.A interatividade em Patativa tem um sentido que remete à própria história de vida deste personagem pela incessante lida do poeta-agricultor com o seu ambiente de inspiração artística. Esta vivência com seu lugar natural proporcionou a Patativa um domínio e conhecimento do seu espaço e conseqüente apropriação imperativa. Chegou a dizer, muitas vezes, que não lhe agradava a idéia de comercializar sua poesia, algo que nos soa como uma associação ao seu lugar que não poderia ser negociado.O universo descrito por Patativa do Assaré revela-se como um vasto campo de possibilidades de entendimento e de despertar de sensações. Sua obra poética mostra que, mesmo percorrendo caminhos tão peculiares como é o da poesia popular - gerada a partir da oralidade e que na transcrição para o suporte gráfico procura manter as características originais da fala -, é possível articular interseções entre um conhecimento destituído de formalidade e apegado a emoções com o conhecimento resultado da elaboração teóricas. CLERTON MARTINS E HENRIQUE ROCHAPesquisadoresClerton Martins é doutor Psicologia e professor da Unifor; e Henrique Rocha é professor das Faculdades Cearenses.

Cinco anos após sua morte, a obra do poeta Patativa do Assaré encontra espaço em editoras locais e nacionaisA vida e a obra de Patativa do Assaré se prestam a múltiplas leituras. Uma conversa com as pessoas que conviveram com ele, em Assaré, revelam um personagem identificado com os valores de sua terra, com a vida do campo. Leitura diferente é a dos estudiosos que se debruçaram sobre a obra, que acabaram por imprimir uma marca de sofisticação em sua criação.Há, no entanto, pontos de convergência. O mais expressivo deles é a capacidade de criação ininterrupta, associada a uma memória prodigiosa. Patativa sabia cada um de seus livros de cor. Conhecia cada verso de seus poemas publicados, nos 13 livros que compõem sua bibliografia básica. O impresso se apresenta como síntese, em oposição à abundância do oral.A voz se fez letraAté o começo da década de 1950, Patativa do Assaré pouco escrevia seus versos. Com exceção dos cordéis editados, o poeta confiava suas criações à memória. Por incentivo do latinista José Arraes de Alencar, que o ouvira improvisar na Rádio Araripe, o poeta organizou sua primeira coleção de poemas. O próprio Alencar viabilizou a publicação do primeiro livro de Patativa - “Inspiração Nordestina”, de 1956.O livro contribuiu para que a fama de Patativa aumentasse - e superasse as divisas do Estado. Ainda assim, só foi reeditado 11 anos depois.Mas foi na década de 1970, que o poeta viu sua obra tomar vulto na forma de livros. No começo da década, o intelectual J. Figueiredo Filho lançou por conta própria uma segunda coletânea de seus versos, seguida no final da década por outra, que veio a se tornar seu livro mais conhecido - “Cante lá que eu canto cá”.A essa altura, Patativa já era um autor conhecido e festejado, sobretudo, nos meios intelectuais de Fortaleza e do Cariri. O resultado foi a multiplicação de edições, algumas apresentando materiais inéditos, enquanto outras tentavam esboçar um panorama da criação do poeta de Assaré.O desafio do cordelPoeta popular, Patativa do Assaré teve uma sorte diferente de muitos de seus pares. Cordelistas viam suas criações desaparecerem aos poucos, graças à precariedade do suporte disponível (o cordel, em geral, impresso em papel barato e de pouca qualidade). Muito da produção de Patativa do Assaré, como cordelista, também se perdeu.Há 10 anos, este lado menos conhecido da obra foi retomado por dois lançamentos. Em 1999, foi lançada a primeira edição de “Cordéis”, organizada pelo pesquisador Gilmar de Carvalho, professor do Curso de Comunicação Social da UFC, e uma das maiores autoridades no tema. No ano seguinte, foi a vez da antologia compilada pela francesa Sylvie Debs, da Universidade de Estrasburgo.Os livros traziam uma mostra do que sobreviveu no formato folheto. Há ali um aspecto mais narrativo da obra, com o poeta assumindo o papel de cronista da realidade sertaneja. Foi exatamente o Patativa do Assaré, cordelista que a UFC elegeu para sua lista de livros do Vestibular em 2005. Uma versão do livro organizado por Gilmar de Carvalho (agora “Cordéis e outros poemas”) foi o primeiro livro de um poeta popular a figurar na lista da universidade. A coletânea ainda está entre os livros que podem ser cobrados para o concurso vestibular 2009.Em 2002, Gilmar de Carvalho apresentou um inédito do poeta, como anexo de seu livro de ensaios “Patativa do Assaré pássaro liberto”. “O crime de Cariús” foi escrito e publicado como folheto em 1946. Sob o pseudônimo Alberto Cipaúba, relatou um crime de morte acontecido em 1942. O cordel mostra um Patativa que faz às vezes de jornalista. BIBLIOGRAFIA1956 - Inspiração Nordestina (Borsoi Editor)1970 - Patativa do Assaré: Novos poemas comentados (independente), organizado por J. Figueiredo Filho1978 - Cante lá que eu canto cá (Editora Vozes)1988 - Ispinho e Fulô (Secult/Ioce)1991 - Balceiro: Patativa e outros poetas do Assaré (Secult/Ioce)1994 - Aqui tem coisa (Secult)1999 - Cordéis (Edições UFC)2000 - Cordel (Hedra), organizado por Sylvie Debs2001 - Balceiro 2: Patativa e Outros Poetas do Assaré (Secult/ Terceira Margem)2003 - Balceiro 3: Patativa e Outros Poetas do Assaré (A Provícia Edições)


A Sereia de Ouro foi a última homenagem recebida pelo poeta, um ano antes de sua morteA 31ªedição do Troféu Sereia de Ouro, de 2001, do Sistema Verdes Mares, criado na década de 1970, pelo industrial Edson Queiroz, teve Patativa do Assaré como agraciado. O agradecimento foi em forma de versos com o poema: ´Ceará do Céu Azul´, declamado aos 92 anos.O troféu foi uma demonstração do reconhecimento da grandeza da poesia de Patativa do Assaré pelo Sistema Verdes Mares. Conhecido como poeta do campo, a entrega da comenda aconteceu na sua cidade natal, no auditório do Memorial Patativa do Assaré. A solenidade coincidiu com o aniversário de 50 anos do Grupo Edson Queiroz. ´Se eu canto esta nossa terra/Do sertão até a serra/ Digo com verdade e fé/ Nos meus versos populares/Que é o troféu da Verdes Mares/Glória do nosso Assaré´.O povo de Assaré participou da festa, transmitida ao vivo pela TV Diário que, pela primeira vez, lançou mão da tecnologia na entrega da comenda. A simplicidade, um dos traços da personalidade do poeta, cuja grandeza de sua obra está na força do verso improvisado, de memória, marcado pela cuidado na elaboração da rima e da métrica, consideradas sofisticadas pelos estudiosos.Com esta simplicidade, tão peculiar ao autor, agradeceu o troféu, recebido das mãos do secretário de Cultura do Município de Assaré, Eugênio Costa de Oliveira. ´Pois, olhe, eu sou um homem muito simples, sou muito modesto. Tudo quanto me oferecem, eu recebo com a maior atenção´, foi dessa maneira que Patativa agradeceu o Troféu Sereia de Ouro.Mesmo cego e com a audição quase totalmente comprometida, como se encontrava por ocasião da entrega da comenda, Patativa continuava compondo e demonstrando estar bastante atento a tudo o que acontecia ao seu redor. O poeta de Assaré não escondia a vaidade quando o assunto era o reconhecimento de sua obra. Foi o que aconteceu com a entrega da Sereia de Ouro: ´Vai ser irradiado, daqui pra lá e de lá pra cá´, disse com satisfação, ao se referir à festa, realizada no Ideal Clube e transmitida através de telão montado pela TV Diário.

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